De Entreposto Comercial a Patrimônio da Humanidade

Telhados no centro histórico de Paraty

A data de fundação de Paraty diverge de historiador para historiador. Uns falam que em 1540/1560 já havia um núcleo devotado a São Roque no Morro da Vila Velha (hoje Morro do Forte ); outros, de 1597, quando Martim Correa de Sá empreende uma expedição contra os índios guaianás do Vale do Paraíba; alguns outros, de 1600, quando havia um povoamento de paulistas da Capitania de São Vicente; e alguns mais, 1606, quando da chegada dos primeiros sesmeiros da Capitania de Itanhahém – que, acredita-se, venha a ser a origem do povoamento como, grosso modo, foi o sistema de Capitanias Hereditárias a base da exploração dos bens naturais, defesa e fixação do homem à terra no Brasil.

Monsenhor José de Souza Azevedo Pizarro e Araújo, no livro Memórias Históricas do Rio de Janeiro e Províncias Anexas à Jurisdição do Vice-Reino do Estado do Brasil assinalou que a fundação da cidade teria ocorrido “lá pelos annos de 1600 e tantos”.

De todo modo, pode-se afirmar que, no início do século XVII, além dos índios guaianases, já havia um crescente grupo de “paratianos” estabelecidos por aqui.

Por volta de 1640 o núcleo chamado Paratii foi transferido para onde hoje se situa o centro histórico, em “légoa e meia de terra entre os rios Paratiguaçu (hoje Perequê-Açú) e Patitiba”, doadas por Maria Jácome de Mello. Esta, ao fazer a doação, teria imposto duas condições: que a nova capela fosse feita em devoção a Nossa Senhora dos Remédios e se guardasse a segurança dos gentios guaianases. Só a primeira condição foi respeitada, diga-se de passagem.

Em 1660, o florescente povoado se rebela, exigindo a separação de Angra dos Reis e elevação à categoria de Vila. Surgia em 1667 a Villa de Nossa Senhora dos Remédios de Paratii. Convém salientar que Paraty foi a primeira cidade brasileira a ter sua autonomia política decidida por escolha popular.

Paraty torna-se um razoável entreposto comercial e seu desenvolvimento deveu-se à sua posição estratégica, no fundo da baía da Ilha Grande; ao caminho terrestre que partia de Paraty, seguia por Guaratinguetá, passava pela Freguesia da Piedade (atual Lorena), vencia a Garganta do Embu e chegava a Minas Gerais: era o chamado “Caminho do Ouro da Piedade”; e ao seu porto, que chegou a ser o segundo mais importante do país.

No ano da independência, por exemplo, constatou-se a passagem pela cidade de 160.914 “cabeças de homens e animais”: eram riquezas das Gerais, no começo, e, posteriormente o café do Vale do Paraíba sendo embarcados para a Europa, na medida em que escravos, especiarias e sobretudo o luxo europeu chegavam para os Barões do Café, subindo o antigo Caminho do Ouro da Piedade, usado antes da colonização pelos índios guaianases que vinham de Guaratinguetá para pesca e o preparo da farinha de peixe. É Frei Agostinho de Santa Maria que, no Santuário Mariano e Histórico, de 1729, escreve sobre a importância de Paraty: “…que dista do Rio de Janearo quarenta légoas… mas virá a ser muyto populosa pelo muyto trato & commercio, que nella há … porque he o porto do mar, onde acode a gente de todas aquellas Villas do Certão, como são a de Guaratingitá, e de Pendà, Munhangába, Thaubathé & Jacarehy … a buscar o necessario como he o sal, o azeyte & vinho, & tudo o mais”.

Decaindo a extração e exportação do ouro, em meados do século XVIII, Paraty vai perdendo importância.

Com o Ciclo do Café, a partir do século XIX, a cidade revive, temporariamente, seus prósperos dias de glórias coloniais.

Em 1870, devido à abertura de um novo caminho – desta feita, ferroviário – entre Rio e São Paulo, através do Vale do Paraíba, a antiga trilha de burros pela serra do Mar perdeu sua função, afetando de forma intensa a atividade econômica de Paraty como um todo.

Um segundo fator de decadência do comércio e da cidade foi a Abolição em 1888, causando um êxodo tal que, dos 16.000 habitantes existentes em 1851, restaram, no final do século XIX, apenas “600 velhos, mulheres e crianças” isolando Paraty definitivamente do país por décadas.

Enquanto abriam-se estradas pelo resto do país, continuava se chegando a Paraty como na época Colonial:
de barco, vindo de Angra dos Reis; ou, a partir de 1950, por terra, via Cunha, em estrada que só comportava movimento quando não chovia e que aproveitava em parte o trecho da velha estrada do ouro e do café.

Nem mesmo a tentativa de se construir uma estrada de ferro entre Paraty e Guaratinguetá, na primeira década do século XX, deu certo.

Este isolamento involuntário foi, paradoxalmente, o que preservou não só a estrutura arquitetônica urbana da cidade como também seus usos e costumes.

Com a abertura da BR 101 (Rio-Santos) no início dos anos 80, Paraty recebe um novo impulso. Como nas fases anteriores de “ocupação”, no ouro ou no café, um novo ciclo veio dominar e explorar a cidade: o turismo, desta feita potencializado no seu conjunto paisagístico/arquitetônico, nas áreas florestadas, nas 65 ilhas e nas mais de 300 praias da região.

Paraty foi considerada Patrimônio Estadual em 1945, tombada pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em 1958 e finalmente convertida em Monumento Nacional em 1966.

Em 2013, o Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do IPHAN aprovou o Registro da Festa do Divino Espírito Santo de Paraty como Patrimônio Cultural Brasileiro.

A partir de 2017, Paraty recebeu da UNESCO o título de Cidade Criativa pela Gastronomia.

No ano de 2019, a UNESCO consagrou Paraty, junto à Ilha Grande, como Patrimônio Misto da Humanidade devido à sua riqueza cultural e natural.

BIBLIOGRAFIA

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