A equipe do portal Paraty.com.br conversou com Jorge Ferreira no dia 25/09/2015, em São Paulo, sobre agricultura, gastronomia sustentável, mata atlântica e seus estudos de botânica.
PARATY.COM.BR – JORGE, POR FAVOR, FAÇA SUA APRESENTAÇÃO
JORGE FERREIRA – Sou Jorge Alves da Silva Ferreira, filho de nordestinos. Meu pai José Ferreira e minha mãe Carmelita são nascidos e criados no nordeste, filhos de agricultores. Há 30 anos migraram para o Rio de Janeiro, Cabo Frio, onde eu nasci. Voltaram mais uma vez para o nordeste, mas não deu certo e voltaram para o Rio de Janeiro, mas para Paraty. Meu pai já tinha conhecido Paraty antes, pois ele vinha para caçar e ele se apaixonou pelo lugar. Nesse momento, então a família se instalou no sitio. Ele comprou a propriedade, que é o Sítio São José e sempre teve o sonho de criar os filhos dentro desse universo da produção de alimentos.
Eu tinha cinco anos de idade nessa época e meus dois irmãos eram mais novos. Nós fomos criados lá no sítio, afastados da parte urbana. Nós estamos a quase 3 km de distância e é preciso andar numa trilha dentro da Mata Atlântica. Por estar distante, não fui à escola, sendo alfabetizado pela minha mãe e acompanhava meu pai no dia a dia nas atividades dele, plantando banana, inhame, milho, e acompanhei todo o processo da agricultura de base familiar. A sustentação financeira, meu pai sempre tirou vendendo banana e tirava o alimento para a família de sua plantação. Ele sempre tentou ao máximo produzir o alimento para a família, feijão, milho, mandioca, fazia farinha… A gente sempre tinha fartura na mesa dos produtos colhidos da terra. Fui criado comendo tapioca, biju, farinha… foi uma mistura da tradição que ele trouxe de Pernambuco com a oferta dos produtos que ele tinha no sítio.
PARATY.COM.BR – A ENTRADA DA AGROFLORESTA NA SUA VIDA
JORGE FERREIRA – Sempre me interessei em conhecer mais plantas, as frutas da Mata.
Ficamos muitos anos trabalhando com produtos para comércio como banana, inhame, café e numa diversidade maior, mas em menor escala, com produtos para consumo próprio.
Mas, chegou um momento que tivemos crise financeira , principalmente, relacionado ao escoamento dos produtos, por estarmos distantes. Nisso, em 1999, no Vale do Ribeira, meu pai teve contato com um tipo de agricultura diferenciada, a agrofloresta, que é uma renovação da técnica de agricultura, implantada no Brasil pelo Ernst Götsch. Ele é um agrônomo que percebeu a possibilidade de desenvolver uma agricultura que tivesse mais envolvimento com a floresta, com uma interação o mais próxima possível com a floresta, copiando os processos naturais. Isso traz para o agricultor familiar uma possibilidade imensa de recuperação de áreas degradadas, uma produção diversificada em menor escala, controle de pragas e doenças por técnicas de observação dos processos naturais.
A partir desse contato com esta nova técnica, a família se envolveu nesse novo olhar mais criativo da agricultura. Nisso, eu que sempre gostei de entender a floresta, conhecer as plantas, me envolvi mais ainda nesse estudo pois era necessário para implementar esta nova técnica.
Eu comecei, então a tirar da floresta espécies que tínhamos interesse para alimentação própria e que também pudessem estar agregando também os animais, os pássaros nesse contexto. Portanto, como eu já tinha interesse em botânica (nem sabia que se chamava assim à época), comecei a realmente me dedicar a estudar todas as plantas que eu pudesse.
PARATY.COM.BR – ENVOLVIMENTO COM A UNIVERSIDADE
Neste vídeo Jorge conta como foi aconteceu seu envolvimento com a universidade e o aprimoramento de técnicas de manipulação e armazenamento de alimentos:
JORGE FERREIRA – As conexões com movimentos de ecologia, agricultura e gastronomia foram acontecendo, aumentando contatos com outras universidades e abrindo um programa de Vivências, que acontecem até hoje no Sitio São José. Montamos um projeto educacional, passando a receber pessoas para cursos e oficinas, com uma grade curricular que incluía as técnicas de cultivo, a identificação das plantas, como realizar a coleta, como beneficiar os produtos…
Esta vivência agro florestal acontece há 10 anos e a próxima acontecerá no carnaval de 2016. O sítio foi ampliado e hoje tem capacidade para receber até 30 pessoas em alojamento, além de ter uma área de camping para 10 barracas.
Esta virou mais uma opção de turismo em Paraty: o turismo científico. As pessoas se inscrevem para participar pelo site http://www.agrositiosaojose.blogspot.com.br/.
PARATY.COM.BR – QUAIS SÃO OS PRODUTOS QUE HOJE O SÍTIO PRODUZ?
JORGE FERREIRA – O sítio já passou por várias fases de produção. Já tivemos banana, café, inhame, polpas de frutas como goiaba, amora. Hoje, basicamente, o sítio produz muito palmito em conserva, várias tipos de farinha (de banana verde, inhame), diversos tipos de geleias de frutas nativas. Nosso sítio é um grande jardim botânico com mais de 180 espécies de plantas cultivadas para estudar suas possibilidades de cultivo e produção.
PARATY.COM.BR – AS PLANTAS SÃO TODAS NATIVAS DESTA REGIÃO DA MATA ATLÂNTICA?
JORGE FERREIRA – Não, há aproximadamente 70% de plantas da região e outros 30% de plantas introduzidas, chamadas de exóticas. No início, nós não conhecíamos estes conceitos. O que interessava era plantar. As pessoas doavam sementes e a gente plantava tudo. Hoje a gente entende o que uma planta nativa da mata Atlântica, nativa do Cerrado, de cada bioma. Mas, agora já está tudo plantado lá. Por exemplo, a gente plantou muito a palmeira real, que é de origem australiana, para poder utilizar seu palmito e poder preservar o palmito juçara. Plantamos também o juçara, mas apenas para poder ter seus frutos, para fazer polpa e, também atrair os pássaros. Plantamos também o palmito pupunha, que é da Amazônia peruana, para fazer polpa de seu fruto.
PARATY.COM.BR – COMO SE DEU O SEU ENVOLVIMENTO COM A GASTRONOMIA?
JORGE FERREIRA – É incrível, por que como tudo é muito orgânico, esses processos acontecem naturalmente.
Minha mãe descia com os produtos para vender na cidade. Ela vendia nas casas e assim formou uma rede de clientes em Paraty que compravam os produtos frescos e alguns beneficiados. Em paralelo, a família também foi se envolvendo com alguns movimentos sociais em Paraty, com mutirões de agroecologia, com o movimento de gastronomia sustentável, que nasceu nesse contexto de ter oferta de produtos e o interesse do mercado. Estes trabalhos estão dentro da Agenda 21, buscando também desenvolver o turismo rural.
A ideia da gastronomia sustentável surgiu a partir da busca de ter nossos produtos sendo levados diretamente para os restaurantes que valorizam estes produtos locais frescos.
Querendo fugir do atravessador, buscamos uma forma de entrega direta dos produtos para os restaurantes. Este envolvimento dos chefs começou com uma vivência, uma visita dos chefs a propriedades rurais. Com isso os chefs passariam a ter conhecimento de que produtos podem ter, a época em que eles estão disponíveis, como podem se preparar… E foi incrível, pois as pessoas envolvidas ficam muito felizes de ver o produto fresco, isso estimula muito a criatividade. Repetimos esta experiência com vários restaurantes, fazendo jantares. Mas, ainda há um ponto que precisa ser alinhado, que é a logística regular da entrega. Quando é um evento pontual, é mais tranquilo, mas quando se entra em uma rotina, é necessário planejar melhor o processo, para não comprometer nenhum dos dois lados envolvidos. A partir dessa percepção, passamos por um processo de associação, pensando em ter um local onde os produtos possam ser manipulados e armazenados na cidade e distribuídos para os restaurantes. Mas, ainda são projetos futuros.
Paralelamente a isto, a minha própria história, foi indo na linha da pesquisa dos cogumelos, das plantas selvagens alimentícias, as PANCS (Plantas alimentícias não convencionais). São plantas culturalmente comestíveis, mas não popularmente comercializadas.
Como gosto muito de botânica, essa é a minha linha de estudo atual. Já viajei para o nordeste buscando conhecer mais as plantas, com esse olhar das plantas selvagens. Fiquei um mês por lá pesquisando, fotografando, registrando plantas. Mas, a partir destes estudos pessoais, foram se abrindo alguns canais com chefs, já que estávamos nesse processo junto à gastronomia sustentável. Acabei fazendo um projeto junto à chef Ana Bueno, do Restaurante Banana da Terra, e responsável pelo evento Folia Gastronômica, com esses materiais, que é a Quinta do Gosto. Ele é um cardápio especial que acontece no restaurante às quintas feiras, utilizando essas ervas de Paraty, inclusive montando um cadastro dos agricultores com contatos e com os produtos que eles poderiam fornecer para esse cardápio.
Neste vídeo Jorge relata como começou a se relacionar com outros pesquisadores do Brasil e do exterior, e como conheceu Alex Atala.
JORGE FERREIRA – Na Folia Gastronômica de 2014, Ana Bueno tinha interesse que eu e o Alex Atala fizéssemos um trabalho juntos e foi incrível. Depois, disso, já gravamos juntos vários programas.
Veja parte da aula do Jorge Ferreira e Alex Atala na Folia Gastronômica 2014:
JORGE FERREIRA – Neste momento, então, estou tentando entender melhor como me posicionar frente a todas estas possibilidades que foram se abrindo, já que não quero ser um chef, que não quer ter uma empresa, nem fazer nada rotineiro. A minha vida inteira foi acordar e, pela luz do dia entender o que deveria fazer: se faz sol, vou capinar; se chove, vou limpar o bananal; se estou sem coragem, vou andar na mata e observar pássaros. Acho que esse é o projeto de minha vida, é quando meu coração fica mais feliz, quando posso tomar a decisão orgânica para meu dia.
Estou buscando, ou talvez não buscando, mas aprofundando esse processo que linka a saúde humana e do planeta, que seria a valorização das plantas e do homem, sempre juntos e nunca separados.
PARATY.COM.BR – LIGAÇÃO COM A ECOLOGIA
JORGE FERREIRA – E agora então participo de fóruns ligados ao meio ambiente, faço parte de uma comissão junto ao Parque Nacional da Serra da Bocaina. Este é um dos grandes gargalos que a gente vive no Brasil. Eu fui criado no sítio, toda minha bagagem de história de vida está ali dentro, mas na verdade o sítio está dentro da área de parque, que por lei, não pode ter morador, não pode ter agricultura, não pode ter ser humano. Mas, essa lei é da década de ’70. Fica claro que com a exclusão da presença humana, houve maiores perdas da mata. Se tivesse havido um envolvimento das pessoas, com mais educação, incentivando os processos de extrativismo consciente, e de preservação da vida humana e da natureza, teríamos mais mata preservada. Me criei na floresta, querendo estudar e preservar as plantas e, de repente me vi numa situação de ser multado por plantar plantas exóticas em área de parque. Quando resolvemos comercializar o palmito real, na intenção de preservar o palmito juçara, fomos inocentemente pedir autorização pois em momento algum queríamos ser clandestinos. Com o isso, descobriram que o Sítio estava inserido dentro da área do Parque Nacional da Serra da Bocaina, com números de palmeiras reais australianas lá dentro. Isso foi um choque para mim, no momento a gente se sente um criminoso, um bandido. Poderia me sentir como um não-informado, mas acabei me sentindo como um bandido. Foi mesmo uma crise, me afastei um pouco do sítio, perdi um pouco de esperança por ter que pagar multa, responder na justiça. Hoje eu participo de uma série de trabalhos com meu pai, mas acabei saindo do sítio e comprando uma terra com escritura para poder ter a certeza de ter um lugar meu. Mas, embora tenha me afastado sempre acreditei que a gente pudesse convergir uma idéia e acho que esse momento está prestes a chegar. Então agora estamos nesse processo pensando o que pode virar o sítio em parceria com o Parque Nacional e, talvez, multiplicar esta experiência em outras áreas protegidas, para que se possa ter o ser humano, a natureza e a preservação na mesma área. Estamos no processo de readequação do sítio, transformando-o em um espaço de educação, o que na verdade já é há muitos anos.
PARATY.COM.BR – E ONDE O TURISTA PODE ENCONTRAR OS PRODUTOS TÍPICOS PARATIENSES?
JORGE FERREIRA – Outro dia fiquei sabendo que a escola da Praia do Sono serve peixes vindos da China. Fiquei possesso com isso!
Aí vamos ver como é o processo todo. Eu sou pequeno produtor, tenho minha nota fiscal, mas se vou vender para uma merenda escolar é uma burocracia louca. O governo não tem funcionários para cuidar da armazenagem dos produtos, que vem em lotes menores. O governo prefere um grande carregamento único. Se fossem comprar palmito de mim hoje, provavelmente não conseguiria fornecer para todas as escolas, mas sim para uma única escola. Aí o governo prefere receber um peixe da China, que vem em grande escala e com preço lá embaixo. Mas aí vai servir peixe da China para o caiçara que mora na beira da praia!
E hoje o turista pode chegar em Paraty e está arriscado a comer peixe que, na realidade veio do Ceasa. Isso é triste! Tudo isso por conta dessas burocracias que a gente vive hoje. É uma pequena crítica a um sistema que eu vivo.
PARATY.COM.BR – E AGORA, JORGE?
JORGE FERREIRA – Neste momento estou morando em Cunha, onde produzo mel e produtos de agrofloresta, mas também sempre estou no sítio em Paraty. Mas, meu lugar não é Cunha, nem Paraty, é o mundo. Minha intenção é sempre estar num ambiente com boa alimentação e boa companhia.
VEJA AS FOTOS DO SÍTIO SÃO JOSÉ: