Em um ano marcado pelo bicentenário da Independência e pelo centenário da Semana de Arte Moderna, a escolha de Maria Firmina dos Reis valoriza quem trabalha incessantemente pela palavra e por um ambiente cultural e educacional mais acolhedor, seja nos centros econômicos ou nas bordas do país. As personagens e narrativas memoráveis de Maria Firmina têm inspirado coletivos de leitura, professoras e autoras contemporâneas com sua linguagem, imagens e abordagens de um Brasil real e ficcional que atravessa duzentos anos de uma independência controversa.
A homenagem a Maria Firmina dos Reis reafirma o propósito da Flip de se conectar com pessoas das mais variadas origens e trajetórias para fazer o Brasil conhecer mais de si mesmo. E reforça o desejo de que a pluralidade de discursos possa ser ouvida em Paraty e levada para longe por cada pessoa que participar da festa. À autora serão dedicadas duas mesas na programação principal da Flip e, em outubro, um ciclo de debates em parceria com o CPF/Sesc.
Sobre a autora
Embora não haja certeza sobre a data, o mais provável é que Maria Firmina dos Reis tenha nascido em 1822. Escritora e educadora, em 1859 lançou Úrsula, romance que inaugura, no Brasil, com genialidade, a linhagem da literatura abolicionista e que, após anos de apagamento, vem paulatinamente ganhando mais atenção, dentro e fora do Brasil. O ineditismo e a valentia do texto de Maria Firmina dos Reis são significativos para entender como ela ao mesmo tempo leu o seu momento histórico e soube fabular a partir dele. Professora de primeiras letras em Guimarães, no Maranhão, sua obra prolífica se construiu praticamente em paralelo à literatura majoritariamente masculina e branca dos círculos literários brasileiros. A homenagem a ela vem em bom momento, tanto pela qualidade de sua produção em diversos gêneros, como pelo fato de que por bastante tempo ela ficou à margem da história canônica da literatura brasileira.
A obra e a vida de Maria Firmina são também o símbolo de um Brasil que luta para sair das malhas de sua história de raiz colonial, marcada pela violência física e também simbólica, geradora de uma separação brutal entre aqueles que têm e os que não têm acesso ao mundo da imaginação propiciado pela letra impressa. Nesse sentido, sua atuação vigorosa como educadora nos dá um recado sobre a vitalidade e a importância da cultura num país tão machucado quanto o Brasil. Somente na década de 1970 Maria Firmina emerge como voz dissonante, resultado de leituras contra-hegemônicas de pesquisadores e pesquisadoras. Que Maria Firmina dos Reis tenha morrido sem qualquer prestígio, em 1917, torna ainda mais urgente comemorar seu legado.