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Por Claudia Ferraz

Bonecões aguardam a hora de sair no carnaval para assustar e divertir os foliões - Foto: Ricardo Gaspar
Bonecões aguardam a hora de sair no carnaval para assustar e divertir os foliões – Foto: Ricardo Gaspar

O Carnaval de rua de Paraty ainda é um dos mais tradicionais e animados do Brasil.  A identidade da festa é marcada especialmente pela estética personalíssima de máscaras de traços fortes e de bonecos enormes que transformam as ruas do Centro Histórico e de alguns bairros em passarelas de folia e encantamento. Neste bate-papo pré-carnavalesco apresentamos dois mestres na arte de criar personagens famosos do carnaval paratiense: o Jubileu e o Biba. Entre nessa conversa.

 

PARATY.COM.BRApresentem-se, senhores! Contem como foi o início dessa tradição das máscaras em suas histórias pessoais .

Mestre Jubileu - Foto: Ricardo Gaspar
Mestre Jubileu em seu ateliê no Centro Histórico – Foto: Ricardo Gaspar

JUBILEU – Meu nome é José da Silva Júnior, tenho 56 anos. Sou filho do João José, artista plástico tradicional em Paraty. Nasci aqui no Centro Histórico, naquele sobrado ao lado da quadra de basquete. Era uma casa grande, tinha muito quintal e uma oficina cheia de quinquilharias e equipamentos, era a oficina do meu avô, que trabalhava nos telégrafos e fazia muito serviço ali, mexendo com fiação, ferramentas, essas coisas… Desde cedo a gente brincava com aquilo tudo. Cresci vendo meus tios e meu pai fazendo formas com cara de gente na oficina de casa. Aliás, naquela época, todo mundo de Paraty fazia máscaras. É uma tradição antiga mesmo, sabe? O ano inteiro se esperava pelo carnaval, mas já em janeiro, antes mesmo de começar, os mascarados iam brincar na Praça da Matriz. Então, desde criancinha eu convivo com mascarados… Era uma brincadeira mais de homem, mas a juventude também gostava, havia meninas que saíam mascaradas pelas ruas. Nesse tempo a cidade era muito pobre, as casas… Eram casinhas paupérrimas e a iluminação era precária também. Então a gente ficava nas esquinas esperando para assustar quem passava. E a gente dava susto de verdade! Tinha gente que só falta enfartar… Ninguém tinha pena, não, dávamos  susto até em criancinhas e saíamos correndo! Nós éramos crianças também, né?

Bom, mas completando minha apresentação, sou professor de matemática da rede pública municipal e técnico judiciário.

Mestre Biba entre suas criações - Foto: Claudia Ferraz
Mestre Biba entre suas criações – Foto: Claudia Ferraz

BIBA – Meu apelido foi dado por uma criança da família, que ainda não sabia falar direito. E ficou até hoje, eu aqui com 59 anos. Sou paratiense, nascido e criado no Pontal, me chamo José Luiz Alves Cananéia, neto de folião. Meu avô, Manuel Lopes da Costa, tocava nas Folias de Reis, nas festas do Divino, apresentava-se nas casas da costeira. Meu pai, Bento, também gostava de cantar, animar os bailes de roça. Máscaras eu faço desde criança, cresci vendo os outros fazerem. Sempre fui folião, gostava de sair mascarado. Sou pedreiro de profissão, mas lá atrás, há quarenta anos, comecei a fazer bonecos e fundei com os amigos o bloco Assombrosos do Morro, que virou tradição, só saía no Carnaval. Hoje, os Assombrosos abrem o Carnaval de Paraty, o bloco sai no sábado. Quem cuida agora dos bonecos são os filhos, os sobrinhos, o Isaac, o Thiago, o Alexandre, o Coxinha, eles fazem os Assombrosos novos, reformam os antigos.

 

PARATY.COM.BRAs máscaras, os bonecos nasceram como tradição do Carnaval ou se originam de outras festas na cidade?

Uma das "marcas registradas" do Carnaval de Paraty: as máscaras do mestre Jubileu - Foto: Claudia Ferraz
Uma das “marcas registradas” do Carnaval de Paraty: as máscaras do mestre Jubileu – Foto: Claudia Ferraz

JUBILEU –  As máscaras eram feitas para sair no Carnaval, mas a vontade de usar era tão grande que a gente saía antes. Viraram pré-carnavalescas. Em alguns bairros da cidade ainda hoje é assim, sabia? Acho que na Barra Grande, por exemplo… Primeiro vieram as máscaras, os bonecos vieram mais tarde. Hoje em dia cresceu a quantidade de bonecos por muitas cidades do Brasil, virou uma coisa mais moderna… Aqui em Paraty havia a tradição dos bonecos folclóricos para as festas religiosas, como a Festa do Divino, que traz aquela boneca compridona,  a Miota (ou Minhota, originária da região do Minho, em Portugal), o Boi-de-Pano, o Cavalinho, o Peneirinha… Do outro lado havia o Zé Pereira, o famoso boneco das festas profanas, típico dos carnavais de rua de muitas cidades do Brasil (veja  boxe sobre a origem do Zé Pereira  no final dessa entrevista). Cada região tem o seu… Ali em São Luiz do Paraitinga a tradição é o casal João Paulino e Maria Angu. Esses bonecos quase sempre retratam figuras famosas ou típicas do lugar… Em Paraty havia um boneco característico chamado Voronoff, com uma história meio macabra. Ele era um médico russo, me parece, que fazia experiências usando órgãos de animais. A forma dele chamava muito a atenção, o  boneco era, na verdade, um cabeção, a gente entrava nele quase por inteiro e as pernas e os braços ficavam parecendo bem curtinhos, quase um Peneirinha, mas o que chamava a atenção era o enorme cabeção de papel. Desde

Assombrosos no carnaval de Paraty - Foto: Ricardo Gaspar
Assombrosos no carnaval de Paraty – Foto: Ricardo Gaspar

cedo eu fazia esses personagens, sempre gostei. Fiquei um tempo fora de Paraty. Morei em Volta Redonda por seis anos. Saí em 1968 e voltei em 1974, quando a tradição dos mascarados já não era tão forte. Foi o tempo da chegada dos turistas. Na minha volta à cidade, o único que ainda fazia máscaras de papel machê era o meu tio Natalino, irmão do meu pai (veja boxe sobre o mestre Natalino no final dessa entrevista). Tanto que recentemente fizemos exposições em conjunto. Mas voltando ao passado, por volta de 1977, 1978, comecei a fazer máscaras com o Biba, meu ex-cunhado, na época ele era casado com minha irmã. A gente fazia aqueles blocões de mascarados, onde saiam trinta, quarenta crianças, rapazes… Foi nessa época que a gente fez o Voronoff. Quando os mascaradões começaram a surgir, a gente fazia questão de que eles fossem feios. É por isso que o nome do bloco é Assombrosos do Morro. Morro porque saía lá do morro e  assombrosos pra assombrar mesmo… Isso animou muito a gente. O Biba passou a fazer uns bonecos mais altos também. Saíamos por aí carregando, era um peso danado…

Alguns dos quarenta bonecos do mestre Biba que estão sendo preparados para a saída do bloco Arrastão do Jabaquara - Foto: Claudia Ferraz
Alguns dos quarenta bonecos do mestre Biba que estão sendo preparados para a saída do bloco Arrastão do Jabaquara – Foto: Claudia Ferraz

BIBA –Antes os bonecos tinham base de bambu, em T, a cabeça ficava lá em cima e os braços ficavam soltos. Com o passar do tempo fomos aprimorando, deixando mais leve, com movimentos. Hoje os bonecos são feitos com material reciclado. Usamos vergalhão na armação com aro de bicicleta para dar movimento nos braços, canos de PVC, muita espuma para as ombreiras, garrafas de refrigerantes amassadas para fazer as mãos… Os nossos bonecos são diferentes dos de Olinda, em Pernambuco. Uma vez conversei com um folião de lá e a gente comparou: lá, os bonecos ficam os braços soltos, parados. Os nossos, além dos movimentos de braço, são mais leves hoje em dia, pesam no máximo 10 quilos. Os de lá pesam o dobro.

 

 

 

PARATY.COM.BR Na confecção das máscaras e dos bonecos, a técnica principal  é o  papel machê?

JUBILEU – Sim, a gente chama essa plástica de papel machê. Ou papietagem. Outros chamam papelagem ou empastelamento. É tira de papel colado em cima de tira de papel. Às vezes é necessário usar uma forma, depois de moldado se faz os apliques necessários. Vem em seguida o acabamento, a pintura, o verniz. Muitas pessoas usam esses bonecos, essas máscaras, como peças decorativas, até como utilitários. Viraram moda esses bonecões. Mas o que a gente gosta mesmo é de usar no Carnaval.

BIBA – O papel machê é a base para fazer a cabeça e com materiais reciclados a gente improvisa a estrutura. Na cidade, todo mundo já se acostumou com os bonecos decorando as festas, as ruas…

Os bonecos na Praça feitos para a Flipinha pelo Jubileu - Foto: Ricardo Gaspar
Os bonecos na Praça feitos para a Flipinha pelo Jubileu – Foto: Ricardo Gaspar

JUBILEU –  É verdade, a gente também já andou fazendo decoração de Festival da Pinga, aquelas mulinhas, aquelas tropas, casinhas de pau-a-pique, engenhos, não é? Decoramos as ruas da cidade em certas ocasiões, não só no Carnaval, e temos o costume de fazer os bonecos para a Flip, na Flipinha, aquele cenário todo na Praça e também cenário de peças de teatro. Esses bonecos provocam a imaginação das crianças… Nós temos informação da livraria. As vendas dos livros com histórias que têm os bonecos pela cidade vão lá em cima! Porque a meninada gosta de ver, interagir com eles e acaba querendo saber como é a história…  Eu continuo fazendo as minhas oficinas com aquele mostruário todo de bonecos que a gente vai fazendo para cada Flip.

 

 

PARATY.COM.BRVocês têm ideia da origem dessa tradição de mascarados? Há uma festa em Goiás de origem portuguesa…

BIBA – Eu não sei dizer nada sobre essa origem, não.

JUBILEU –  Olha, eu tenho uma revista lá em casa com as pinturas do século  XVI, XVII, há uns mascarados bem do jeito desses nossos de Paraty, as máscaras, as roupas… São do pintor holandês Bruegel (Pieter Bruegel, o Velho, pintor de multidões e de cenas populares, que realçavam o absurdo na vulgaridade, expondo as fraquezas e loucuras humanas), que tinha na sua obra figuras semelhantes – crianças vestidas com enchimento para fazer aquele barrigão, corcundas também feitas com enchimento, aquele bundão, figuras montadas em barris com panelas na cabeça… Bem da escola do Bosch, que tem os jogos infantis, não é? (Hieronymus Bosch , pintor e gravador holandês dos séculos XV XVI, que retratava cenas de pecado tentação, com figuras simbólicas complexas e caricaturais). Então acredito que seja uma tradição europeia que veio para Paraty. Se pensarmos, lá em Pernambuco houve a invasão holandesa… Quem sabe? A verdade é que os bonecos viraram uma tradição pelo Brasil e aparecem nas manifestações de alegria, religiosas e profanas. Todo mundo gosta! 

BIBA – O que posso dizer é sobre a origem dos bonecos do bloco Arrastão do Jabaquara, que eu fundei há dez anos. Eles são diferentes dos bonecos do Assombrosos, não são assustadores, feios; são alegres, engraçados. A inspiração são as figuras folclóricas do lugar, o bloco sempre homenageia pessoas do bairro. O Arrastão tem aumentado o número de foliões a cada ano. Começamos saindo com dez bonecos, hoje já são quarenta. Todo ano a gente reforma os bonecos, agora mesmo eles estão nessa fase de retoque, novo acabamento, outros adereços.

 

PARATY.COM.BRE as roupas? Como era no passado criar todo aquele figurino e como é hoje? Quem faz as roupas dos bonecos do Arrastão da Jabaquara, Biba?

 BIBA – Ah, quem cuida das roupas no Arrastão são as minhas irmãs, a Sonia e a Graça. Elas é que criam, confeccionam tudo, enfeitam… O bloco, na verdade, revive os antigos carnavais de Paraty, com desfile ao ar livre e os bonecos alegóricos e engraçados que seguem pela rua, misturados aos foliões, acompanhando a marchinha própria e seguindo a Banda Arrastão, com os músicos Guaraná, Rafael e toda a galera. Tem também o carro decorado pelo Hamilton Braga.  É ele, o Hamilton, que faz as figuras que homenageiam as pessoas do bairro Jabaquara. A tradição do bloco também é sair sai duas vezes no Carnaval, sempre à tardinha, no sábado e na terça-feira. 

JUBILEU –  Sobre as roupas, me lembro bem… Lá pelo fim da década de 1970, o Themilton Tavares (artista, professor, escritor, diretor de teatro, pessoa múltipla, muito querida na cidade)  começou a agitar o teatro amador aqui em Paraty. E a Maria Della Costa, na época, morava ali onde fica o restaurante da Dona Ondina. Ela fazia as peças nos teatros em São Paulo, e quando desmontava o guarda-roupa, trazia para Paraty e doava para o teatro do Themilton. Ele, por sua vez, doava para nós as roupas que não interessavam. Então tinha roupa à beça… A gente pendurava tudo nos varais… Vestíamos os bonecos, saíamos com eles, depois lavava, vestia de novo… Engraçado, uma vez ouvi a Maria Della Costa apontando um dos bonecos e dizendo para a amiga dela “Olha lá, Joaquina, a camisola da mamãe, hoje está com aquele boneco ali…” Naquela época as tradições eram muito vivas. As peças do teatro amador do Themilton falavam muito de cultura, usava como elementos as figuras folclóricas de Paraty. Era o Boi Pintado, a Miota, o Boi de Pano… Todos essas figuras viravam bonecos no Carnaval. O Cizinho (apelido do célebre ceramista paratiense Dalcir Ramiro) tinha uma figura marcante, era um cavalinho feito de papel machê também. Era muito bem feitinho… Isso tudo entusiasmava a gente. E o Zé Cláudio, na época Secretário de Turismo, era um grande incentivador da cultura. Havia concurso da melhor máscara. Da mais engraçada. Da mais feia, da mais assustadora, com prêmio e tudo. Havia uma banda para sair só com os mascarados. Marcou muito esse tempo e a tradição das máscaras, dos bonecos, pegou. Ficou sendo uma referência no carnaval da cidade. Mas aqui em Paraty ainda há um pouco do Carnaval de antigamente, quando nossas irmãs, nossas tias, nossas mães pregavam aquelas lantejoulas, aquelas miçangas. Costuravam, faziam fantasia para os filhos, para mostrar no baile. Cada um queria ter a fantasia mais bonita. Muita gente continua fazendo isso. Tem um bloquinho com umas coroas, acho que o nome é esse mesmo, Bloco das Coroas, com mulheres, muitas senhoras, de setenta, oitenta anos de idade. E tem blocos que capricham na roupa, como o da  Nega Maluca, que cresce a cada ano… Bonito de ver.

 

PARATY.COM.BRO turismo, no auge dos mascarados, ajudou ou atrapalhou? 

JUBILEU – Por um lado, a chegada do turismo com a Rio-Santos quebrou um pouco a tradição das máscaras. Mas nos últimos anos, vem sendo o próprio turismo que dá uma reanimada na gente, para continuar essa tradição. E continuamos. Temos feito muitas exposições, levado inclusive esse trabalho nosso para fora de Paraty.

BIBA – Com esse aumento do turismo, o interesse fica maior. O Arrastão do Jabaquara está ganhando força, já tem turistas que chegam para sair no bloco.

 

PARATY.COM.BR – Paraty era bem mais pacata no final dos anos 1970. Mas quando surgiu o bloco Assombrosos do Morro tinha muita gente envolvida?

JUBILEU – Muita gente não sabe, mas nesse tempo é que foi criado o Circo Voador, aqui em Paraty, pelo Didouche, pelo Perfeito Fortuna e um outro, puxa, não me lembro do nome dele… Era o grupo do Asdrúbal Trouxe o Trombone. O circo foi montado ali naquele pedaço do areal, onde tem o estacionamento hoje. Depois veio o circo do Rio de Janeiro, na Praia do Arpoador, ficou famoso. Pois quando esse grupo o do Asdrúbal  veio para cá, entrou em contato com o teatro do Themilton. E a turma daqui era grande, o Cizinho, o Luiz Rebelo. E o nome desse grupo do Themilton ficou  Guarda a Chave no Trombone, em homenagem ao grupo do  Asdrúbal. É que havia uma combinação entre eles de guardar a chave da casa numa tuba que ficava pendurada na parede da casa do Themilton (risos). Todo esse clima ajudou na criação dos Assombrosos.

Veja o vídeo do Jubileu contando a história dos Assombrosos do Morro:

PARATY.COM.BR E vocês, continuam saindo, continuam foliões? 

JUBILEU – Eu saio, sim, acompanhando os Assombrosos, costumo por meus bonecos para saírem juntos. Às vezes até ponho máscara ou ponho um boneco. Mas não participo mais da produção deles. Para este ano me deu vontade de criar uma coisa nova,  fazer um bloquinho de mascarados para o pessoal mais velho, da minha geração, nossa idade assim… Já estou fazendo umas máscaras levinhas, bem arejadas, do tipo Commedia dellarte, que deixa o rosto interagir, ela é meia máscara, as feições, os olhos aparecem quando você pisca, arregala os olhos, pode mandar beijinho, mostrar a língua… Não é estática. Já tenho algumas prontas, faltam alguns dias ainda para o Carnaval, quero fazer umas cinquenta, sessenta.  E ver se esse bloco consegue sair com a Banda. Vai ficar bonitinho!

BIBA – Ah, continuo folião, gosto de sair no Arrastão do Jabaquara, mas como já falei, não faço mais os bonecos. Deixa que os mais jovens façam isso agora… Eu gosto de acompanhar o trabalho deles, vão usando bonecos do acervo, reformando, renovando. Todo ano tem bonecos novos. Alguns deixam de existir… Tudo isso faz parte da folia, preparar o melhor para o  carnaval.

 

PARATY.COM.BR – Vocês têm algum boneco favorito? O mais querido? 

BIBA – O meu preferido era o Morcegão.

O Peneirinha e a Miota na Festa do Divino em Paraty - Foto: Ricardo Gaspar
O Peneirinha e a Miota na Festa do Divino em Paraty – Foto: Ricardo Gaspar

JUBILEU –  Olha, o que a turma mais gosta e que eu também gosto é o Peneirinha. Ele tem uma peneira grande assim na cabeça, usa um paletó, amarra  a cintura, daqui pra cima é a cabeça, o corpinho aparece daqui  pra baixo. Aquilo intriga, as crianças ficam tentando adivinhar o que é aquilo… Agora, tem também o Recicleiton, um bonequinho que não sai há muitos anos. Ele é um catador de lata bem pequeno, carrega um saco enorme nas costas. E vem cheio de lata em volta. A montagem dele é que faz graça, as pessoas não entendem como quem carrega o boneco aguenta tanto peso… Puxa, são tantos, tem o Barrilzinho, também feito no mesmo esquema de cápsula. Ele é bem pequenininho e parece carregar todo aquele barril feito de papelão. Faz um calor danado ali dentro daquilo! Mas quem vê não para de rir!

 

PARATY.COM.BR – Vocês têm ou tiveram uma equipe para fazer todos esses bonecos, essas máscaras?

JUBILEU – Sempre fui eu com minha esposa Nice e meus filhos. Às vezes chamo um ou outro para me ajudar e dou um dinheirinho, né? Há um menino excelente, o João Paulo, que trabalha na Secretaria de Cultura. Ele frequenta minha casa desde pequenininho, uns seis anos. Chegou pela primeira vez com um corpinho de boneco todo amassado e eu disse vem cá. Peguei o alicate, fiquei apertando, ajeitando para ele, botei uma roupinha no boneco, ajeitei a cabecinha, o garoto saiu todo feliz. Eu reparei, ele não tirava o olho enquanto eu arrumava o  boneco dele… Foi se tornando uma excelente pessoa pra fazer máscara, um dos melhores de Paraty. Hoje são os filhos que tocam a produção. Eu faço alguma coisinha…

BIBA – Minha mulher Sueli é quem me ajudava mais. Agora está nas mãos desses jovens, a nova geração é que tem que continuar.

 

PARATY.COM.BR – Então esse clima quase ingênuo do carnaval das antigas ainda permanece na cidade? 

BIBA – Com certeza, o clima no Arrastão do Jabaquara é todo assim, família toda junta, na alegria, na brincadeira. E na cidade também, as pessoas ficam esperando a Banda Santa Cecília, a passagem dos blocos mais famosos…

JUBILEU – Isso! Tem muita gente que ainda gosta de sair atrás da Banda, de levar os filhos para a matinê, para as brincadeiras na Praça da Matriz. Outra coisa que é bonito de ver é que a Banda Santa Cecília vai lá no Pontal buscar os Assombrosos, leva o bloco para a cidade e depois volta com eles. Outro bloco bom aqui de Paraty, que já foi inocente e é muito exótico, é o Bloco da Lama, né? Começou com umas cinco, seis pessoas, era uma zoeira, mas ninguém sujava ninguém, tinha um efeito plástico bonito, ainda hoje tem esse visual diferente. Mas quando foi criado, você podia chegar vestido de branco que ninguém te sujava… Todo mundo respeitava. Agora as pessoas não sabem brincar. Hoje tem muita gente que sai e o pessoal acha que é engraçado ficar jogando lama nos outros…Esses blocos não têm horário certo, assim, para sair.

BIBA – Às vezes alguns marcam horário e faz certinho. Outras vezes não, o bloco sai na hora que quiser.

JUBILEU – É espírito de Carnaval, não é? (risos)

Assista ao vídeo do Jubileu falando sobre o jeito paratiense de brincar o carnaval:


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Muito boa essa nossa conversa! Agora digam, o que vocês mudariam em Paraty?

JUBILEU –  Eu sinto muita saudade de andar por aquele Centro Histórico do passado…Porque eu cresci na cidade com as mulas trazendo as cargas da roça para cá. Ficavam presas em argolas que a gente ainda vê, como ali na padaria do Zuzu. Era muito bom a gente ver as senhoras e os senhores nas janelas. As senhoras varrendo a rua, as crianças brincando. Sentir o cheiro do peixe frito. Ouvindo o galo cantar no quintal. Às vezes o ressonar de alguém. O choro de uma criança. A gente não vê mais nada disso, é só comércio, comércio… Um comércio meio clean, muito limpinho, certinho… Isso de dizer “Ah, eu estou  numa cidade do século dezoito…”. Não está , não. Pode haver uma casca do século dezoito. Mas a alma não está, entendeu? Tudo isso era habitado por sons, tinha cheiros, tinha espírito, havia cestas penduradas nas portas, havia os penicos, as roupas, as redes, as cestarias, os leques… A gente sentia a vida, né? Hoje não há mais isso. Acho que é o que eu mudaria em Paraty, ter isso de volta de vez em quando. Mas é irreversível, não tem como… 

BIBA – O que precisa mudar é o comportamento dos políticos. Eles precisam se unir para fazer um trabalho melhor na cidade e acabar com essas picuinhas partidárias.

 

PARATY.COM.BRE o que não pode mudar em Paraty?

JUBILEU – Uma das coisas que eu mais gosto na cidade é ver uma pessoa embaixo de uma árvore confeccionando uma tarrafa (rede). Ou ver esses senhorzinhos que ficam agachados capinando, tirando o capim da rua. Quando há uma ou outra pessoa na janela e a gente passa, para uns cinco minutinhos de conversa. Isso eu gosto muito. Sabe? Eu passo aqui e ali e não deixo de lembrar: aqui ficava a Dona Tetéia, a mãe da Dona Rita que ficava também na outra janela. Aqui de manhã cedo meu tio varria a calçada. Eu ouvia os passarinhos que ele tinha no quintal dele, minha tia ficava na janela. Eu ouvia a máquina de costura da minha outra tia, entende? De vez em quando a gente escutava “Ê, tem cebola em casa?” Você pode mandar uma pra mim?….”

BIBA – Para mim, o que não pode mudar, não pode acabar, é a força das tradições. As riquezas do folclore, isso tem que ser preservado.

 

PARATY.COM.BRQual é a Paraty que vocês indicam ao turista? 

JUBILEU – Olha, quem quer conhecer um pouco melhor a cidade, sua história, a região, não deve deixar de visitar o Forte Defensor Perpétuo. Ali se pode ver um pouquinho da Mata Atlântica, que é secundária, mas há ali uma Mata Atlântica. Há uma bela vista da baía, da Praia do Jabaquara. Na caminhada para chegar até o Forte se tem também uma visão bonita da cidade e é um lugar onde se pode entender um pouco da história de Paraty.  Avaliar o porquê de tantas fortificações no entorno, em ilhas, na costeira… Uma cidade tão pequena com tantas defesas… É porque aqui passava o que os portugueses queriam do Brasil, que era a riqueza. Tanto trazendo de lá pra cá, como levando daqui pra lá, não é? E me parece que essa localização de Paraty era meio secreta. Não se falava muito do lugar, justamente para não chamar a atenção das pessoas. Também acho que vale visitar uma roça, uma casa de farinha, conversar com uma pessoa da terra, alguém de mais idade para saber como era a vida. E se puder, visite o Caminho do Ouro, que traz a história da região e do próprio Brasil.

BIBA – Eu digo ao turista que, apesar dos muitos problemas, Paraty está legal. Quem vem até aqui não pode deixar de conhecer e passear sem pressa pelo Centro Histórico, digo que é a nossa galinha dos ovos de ouro!

Veja o vídeo do Jubileu falando sobre a Paraty que ele mais gosta e que recomenda aos turistas:

PARATY.COM.BRPara finalizar, por favor, façam um convite, deem seu recado ao turista, ao morador, para que todos curtam o carnaval em Paraty.JUBILEU – Olha, você que pretende conhecer nossa cidade ou você que já conhece nossa cidade, venha passar o Carnaval aqui. O nosso é um carnaval das antigas. Carnaval de rua, com as pessoas de Paraty animando a cidade. A comunidade inteira participa. E o turista vai se integrar,  vai se divertir muito. Entre nos nossos blocos. Faça parte do bloco dos mascarados, nosso bloco de bonecões, siga a nossa banda, a Banda Santa Cecília. Você vai adorar. Durante o dia, pegue uma cachoeira, dê um passeio de saveiro. E à noite volte ao carnaval de rua, até Quarta-Feira de Cinzas. Tá bom?

BIBA – Meu recado é para que todos brinquem com harmonia, paz e alegria. Um Carnaval sem violência para todos nós!

Veja o vídeo do Jubileu convidando a todos para o Carnaval de Paraty:

 

As máscaras do Mestre Natalino

As máscaras do mestre Natalino: tradição - Foto: Claudia Ferraz
As máscaras do mestre Natalino: tradição – Foto: Claudia Ferraz

Paratiense muito querido pela comunidade, Natalino de Jesus Silva desde menino criava suas próprias máscaras para sair assustando as pessoas pelas ruas nos antigos carnavais da cidade. Falecido no ano passado aos 78 anos, teve sua arte reconhecida e foi especialmente homenageado pela Casa da Cultura, que deu seu nome a uma de suas salas de exposição.

Em seus trabalhos, mestre Natalino utilizava uma?técnica similar a de outros artistas locais como Jubileu, Mestre Biba e Lúcio Cruz (outro artista paratiense reconhecido por seus trabalhos em papel machê e criador das famosas e engraçadas máscaras do bloco carnavalesco Os Caras de Pau). Na década de 1970, Natalino começou a experimentar a pintura em suas criações, adotando cores e formas intuitivas que se tornaram marcantes como expressão artística, imprimindo às máscaras e alegorias carnavalescas uma linguagem muito própria.

 

A origem do Zé Pereira 

A primeira vez que um boneco gigante apareceu para animar um carnaval brasileiro foi em Belém do São Francisco, cidade do sertão pernambucano, a 486 quilômetros do Recife. O episódio ocorreu durante o carnaval de 1919 (em Olinda o primeiro boneco só apareceria em 1932), quando Belém realizava uma das mais animadas festas do interior. E essa primeira alegoria, batizada de Zé Pereira, era um boneco de quatro metros, sendo o corpo uma estrutura em madeira vestindo um macacão estampado e a cabeça confeccionada em papel machê.

No livro “Os Gigantes Foliões de Pernambuco” (1992), o pesquisador Olímpio Bonald Neto já se referia a esse pioneirismo de Belém do São Francisco. Antes do Zé Pereira gigante, os moradores de Belém do São Francisco costumavam ouvir os relatos do primeiro pároco da localidade, o belga Norberto Phalempin. Entre 1905 e 1928, o padre narrava as festas europeias com procissões que usavam bonecos representando figuras bíblicas.

Dez anos depois de criado o Zé Pereira, o mesmo grupo de foliões que iniciou a troça resolveu lhe dar uma companheira. Foi quando surgiu, em 1929, a boneca gigante batizada de Vitalina.

 

VEJA MAIS IMAGENS DOS TRABALHOS DESTES GRANDES MESTRES E SEUS SEGUIDORES:

Histórias de vida e de lugares sempre me interessaram. Como jornalista, sou movida a ideias e boas pautas. Desde 2004 escolhi viver em Paraty, onde sou mais leve e contemplativa. Trabalho em casa, no meu escritório com alma e vista para o verde, e não me desconecto. Assumo completamente que o ambiente digital é uma das minhas praias preferidas, ainda mais agora, integrada à equipe do www.paraty.com.br . Escrever sobre Paraty, dirigindo-me a quem mora por aqui e a quem chega para curtir a cidade, é uma das minhas grandes fontes de prazer e inspiração. Outras são a fotografia e a cor azul, que me levaram a criar o blog http://adoroazuis.blogspot.com.br, para expressar o que encontro de azul no mundo. Claudia Ferraz

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