O Museu de Arte Sacra de Paraty reabriu suas portas na Igreja de Santa Rita, no dia 13 de junho de 2015, depois de 7 anos de reformas e restauros. Conversamos com Julio Cesar Neto Dantas, diretor do Museu de Arte Sacra e do Museu do Forte Defensor Perpétuo sobre o Museu e seu acervo.
Paraty.com.br – Julio, como foi formado o acervo atual do Museu?
Julio Cesar – Este acervo é todo de Paraty. Algumas peças vieram de Portugal, outras do Rio de Janeiro, da região de Angra (Mestre de Angra), do Vale do Paraíba (Mestre Bolo de Noiva). Mas, tudo estava no município há muito tempo. A maioria das peças já pertencia às igrejas do Centro Histórico, mas há também peças de regiões rurais e da costeira, como Tarituba, Penha, Boa Vista, Paraty-Mirim, Barra do Corumbê…
Paraty.com.br – Quais são os destaques do Museu?
Julio Cesar – A Expografia do Museu conta com peças da imaginária de barro e de madeira. As vitrines mostram peças do século XVII, quando as imagens eram mais hirtas, estáticas, com olhar distante, sem se conectar com os fiéis.
Já as peças do século XVIII em diante, mostram mais movimento, emoção e detalhes decorativos mais elaborados.
Em relação aos retábulos laterais e ao altar principal, Julio Cesar chama a atenção para a pintura em policromia das madeiras. Elas são todas originais, com apenas pequenos retoques. Deixamos propositalmente pequenas janelas na madeira, onde se pode ver a madeira original, a base e a policromia original.
Nos nichos, chama a atenção a recuperação do papel de parede que, como não existia mais para ser completado, acabou tendo sua decoração pintada no papel, baseado em estudos e imagens antigas.
Mas, o grande diferencial deste Museu é que aqui as peças tem uso. Já nas cláusulas do convênio de criação de Museu, havia o compromisso de ceder as imagens para as procissões e festas religiosas. Como Paraty tem um calendário litúrgico muito extenso, sempre é possível ver estas peças pelo Centro, especialmente nas procissões.
No dia da inauguração, a imagem de Santa Rita, que esteve, todos estes anos, na Igreja Matriz, foi levada em procissão à sua casa original, onde voltará a ficar no altar principal e, em breve, será vista na Festa de Santa Rita, que acontece no mês de julho.
(Veja na galeria de fotos algumas destas peças em uso durante as festividades religiosas)
Paraty.com.br – E a igreja de Santa Rita, a sua arquitetura, foi restaurada também?
Julio Cesar – Sim, em todos estes anos, a Igreja passou por um trabalho muito bem feito de recuperação de seu telhado, de descupinização de teto, dos retábulos e das peças do Museu. Foi refeita toda a parte elétrica, foi instalado o sistema de segurança na parte interna e externa, foi montada a reserva técnica do Museu (com peças que não estão expostas no momento) e foi feita a sala cofre. Para tudo, logicamente, foram utilizadas tecnologias modernas, mas sempre buscando manter ao máximo cada telha, cada madeiramento, o piso. Tudo o que foi possível manter original, mantivemos. O piso na nave principal, hoje é de pedra, mas em breve voltará a ser de madeira como originalmente. Inclusive nas paredes foram retirados os restos de cimento para retornar à construção original de cal e areia.
No início das obras, o Museu ainda pertencia ao Departamento de Museus do IPHAN, órgão ligado ao Ministério da Cultura. Já em 2009 foi criado o IBRAM, Instituto Brasileiro de Museus, também ligado ao Ministério da Cultura, passando então a agregar todos os museus que estavam ligados ao IPHAN. Ao longo de todos estes anos, houve momentos difíceis, as obras foram paralisadas diversas vezes, mas,além de contar com os recursos do Governo Federal, as obras também foram viabilizadas por doações de particulares e empresas, que permitiram avançar nos processos de restauro, como também permitiram ampliar o projeto original, incluindo, por exemplo, a instalação de todo o sistema de segurança, as melhorias na instalação elétrica e a montagem do acervo e da reserva técnica com uma nova mapoteca.
Paraty.com.br – Julio, por favor, nos apresente o Museu
Julio Cesar – A visitação ao Museu começa com a leitura de 2 painéis explicativos: um apresenta a Igreja e seus ambientes e o outro apresenta as festas religiosas e a participação da Igreja de Santa Rita nestas festas. É importante frisar que, embora seja um espaço musealizado, esta é uma igreja que mantém suas funções litúrgicas.
À esquerda da entrada encontra-se a pia batismal, com água benta, em um nicho arquitetônico bem interessante. Esta peça é especial, pois ela já era usada há muito tempo, mas com uma tampa de madeira (que encontra-se hoje guardada). Mas durante a reforma, foi encontrada a sua verdadeira tampa, também em mármore de Carrara e com as inscrições que revelaram que, na verdade, tratava-se de uma urna funerária. As surpresas começam a aparecer…
Na primeira vitrine temos as peças da imaginária de barro do século XVII, uma peça especial em madeira, que é o relicário de Santa Susana e as peças em madeira do século XVIII, já em estilo rococó. Dentre estas estão as santas atribuídas ao mestre de Angra e ao Mestre Bolo de Noiva, de Guaratinguetá.
Na segunda vitrine, encontram-se o oragos das igrejas de Paraty, incluindo São Roque, (orago da primeira igreja fundada no Morro do Forte, primeira povoação de Paraty), com destaque para a Nossa Senhora das Dores, que sempre é vista na procissão do encontro na Semana Santa.
Passamos pelos retábulos laterais, com destaque para os nichos de nossa Senhora da Conceição e de Nossa Senhora do Carmo, além de vários outros santos de devoção.
A terceira vitrine possui peças do fim do século XIX e início do século XX, algumas vindas da Casa Sucena, do Rio de Janeiro. Há diversas representações de Nossa Senhora que foram trazidas ao Museu a partir de igrejas de várias localidades do município.
A quarta vitrine nos mostra peças de metal prateado (não é prata). Principalmente, há peças de iluminação como arandelas e candelabros. Além disso, há peças de uso como tinteiro, sinos e balde com hissopo para aspergir água benta nos fiéis. Nesta coleção destacam-se as arandelas, que eram da Capelinha (Igreja Nossa Senhora das Dores), que contam o requinte de ter espelhos para ajudar a iluminar mais o ambiente.
Na frente do altar principal há um caderno ilustrado e com textos explicativos (em português, inglês e espanhol) com descrição de cada peça.
No centro do altar (ainda fora do nicho), encontra-se a imagem de Santa Rita que acabou de retornar à sua Igreja. Ela está ainda em exposição, mas antes de ser colocada em seu nicho no retábulo central deverá passar por um processo de descupinização.
Quando estávamos nos dirigindo à sacristia, chegou ao Museu um grupo de crianças com suas professoras vindas de uma escola no Corisco. Julio Cesar aproveitou para continuar sua explicação, incluindo a garotada que acompanhou com grande atenção.
Na sacristia, destaca-se o grande arcaz de madeira, que guarda os paramentos dos sacerdotes.
As duas grandes imagens de São Miguel e São Roque, vindas da Igreja Matriz, estão temporariamente no Museu, mas em breve devem retornar ao seu lugar original.
Destaca-se o lavatório, feito em pedra e cuja curiosidade maior é que, na época de sua construção, não havia água encanada. Por isso, vê-se um buraco superior, por onde se colocava a água. As duas torneiras em forma de serpente, serviam para lavar as mãos, usava-se uma antes e outra, depois da Missa. Também usava-se uma toalha para secar as mãos antes da Missa e, outra toalha para secar depois. Um repositório guarda peças comoo turíbulo, a naveta, a espivitadeira para cortar o pavio das velas, as jarras, e outro itens.
Na sala ao lado, o consistório, guarda uma bela imagem de São Pedro de Alcântara colocado no retábulo que pertenceu à capela da Santa Casa de Paraty em louvor ao santo. Também é possível ver, através de grade de proteção, as peças em prata que são usadas nos ofícios religiosos e, algumas que são vistas nas festas como a custódia na procissão de Corpus Christi, a coroa e o cetro do Imperador do Divino e as coroas do rei e da Rainha do Rosário.
No consistório também está a imagem da padroeira, Nossa Senhora dos Remédios, que é uma imagem processional, ou seja figura nas procissões que podem ser vistas nas festas tradicionais pelas ruas do Centro Histórico de Paraty. Ela não é uma imagem de retábulo. Ela é sempre vista no dia 08 de setembro, dia da festa da padroeira.
Neste espaço encontra-se também um terminal multimídia que mostra a religiosidade de Paraty, em suas diversas expressões, com mapas, imagens e depoimentos importantes.
As crianças ficaram muito interessadas em encontrar a comunidade do Corisco, à qual elas pertencem e festejaram ao se ver no mapa.
Na sacristia há também uma peça muito interessante, que é um anjinho. Este, que está hoje no Museu é uma réplica pois o original está sendo restaurado. Este anjinho sempre ficou na janela, voltado para fora e, quando alguém coloca uma moeda, o anjo agradece balançando a cabeça.
O columbário e o cemitério lateral ainda não estão abertos ao público, pois seu restauro está sendo finalizado. Adianto que foram encontrados importantes elementos arqueológicos como fragmentos de cerâmica, alicerces da antiga igreja construída no local e caixões, principalmente de crianças, que confirma a informação de que os membros da Irmandade de Santa Rita, e suas famílias, tinham o privilégio de ser enterrados na Igreja. Para expor estes achados está sendo criada uma apresentação em 3D.
A preocupação com o acesso à informação é grande, por isso, todos os textos explicativos em painéis e cadernos foram escritos em português, inglês e espanhol. A acessibilidade também é um princípio seguido no Museu, que possui rampas em todas suas entradas e passagens internas. Há também réplicas de 3 peças, que podem ser tocadas e suas explicações estão em placas também em braile. Futuramente, o Museu oferecerá áudio-guias.
Paraty.com.br – Julio, a Flip está prestes a começar e seu autor homenageado é Mario de Andrade que, entre outras coisas, criou o IPHAN e foi um estudioso da cultura popular. Qual e a ligação de Mário de Andrade com Paraty e com o Museu?
Julio Cesar – A ligação é total! Paraty, antes de seu tombamento e antes da criação do IPHAN já tinha sido visitada na década de ’30 por Mario de Andrade, Cícero Dias e Gilberto Freire, que tinham ficado impressionados com a beleza do lugar e com tudo o que se tinha aqui ainda preservado. Já na década de 50, após a criação do IPHAN, Lúcio Costa também registra e menciona a beleza das imagens de Nossa Senhora.
Paraty.com.br – Como será o planejamento de exposições? Este espaço também será usado para outros eventos culturais?
Julio Cesar – Particularmente não gosto de exposições muito longas. Esta, deve ficar um tempo um pouco maior, mas a ideia é ir trocando e expondo outras peças do acervo, que ficam guardadas. Pretendemos também promover alguns concertos na Igreja, que possui uma acústica muito boa. Tudo isto está previsto, pois queremos que o Museu seja atrativo, variado, interessante.
Paraty.com.br- Você também é diretor do Museu do Forte Defensor Perpétuo. Como estão as obras por lá?
Julio Cesar – Vão muito bem. Estamos com um projeto muito bonito que está sendo executado com todo cuidado. Neste momento, o alvo é recuperar o telhado, também tentando manter o máximo das telhas originais (embora lá os danos sejam grandes). Há um projeto para construir um novo escritório administrativo, embaixo, na entrada, para poder liberar mais os espaços da construção histórica para as exposições.
VISITAÇÃO AO MUSEU DE ARTE SACRA DE PARATY/ IBRAM:
Grupos e escolas podem agendar uma visita guiada. Horário de Funcionamento: Ingresso: Observações: Museu de Arte Sacra de Paraty / IBRAM: Largo de Santa Rita – Centro Histórico de Paraty – Tel: 24 3371-8328 / 8751 – masdp@museus.gov.br |
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Muito bom! O MAS de Paraty é o ponto alto da visitação para aqueles grupos que se dispõe a entrar.
Muito bem organizado. Peças lindas e conservadas. Estive em Paraty na Festa do Divino em 2014. Não conheci o Museu.Voltarei !!!!