Por Claudia Ferraz
Determinada, corajosa e sempre muito antenada com mil idéias e afazeres, ela não costuma perder a doçura. Adora ser mãe, acompanha de perto o andamento da casa e só deixou de pilotar o fogão no cotidiano doméstico há pouquíssimo tempo (até então, fazia almoço e jantar todos os dias para a família). Mas no comando de seu restaurante, um dos mais estrelados de Paraty, continua mais desenvolta do que nunca. Idealizadora da Folia Gastronômica, ela traz o evento de volta à cidade, depois de cinco anos. A Folia de 2014 chega em novo formato e com foco no que a gastronomia pode oferecer, especialmente às novas gerações, em termos de oportunidades educativas e profissionais.
Ana Bueno, 43 anos, nascida em São José dos Campos, no Vale do Paraíba, se confessa uma paratiense de coração, afinada com as raízes e tradições da cidade histórica. E sua trajetória de vida justifica todo esse apreço e dedicação pelo lugar que a acolheu quando ainda era bem jovem. Eram os anos 80, beirando os 90, quando ela começou a trabalhar como garçonete em um restaurante. Depois foi repórter da EcoTV. Chegou a criar um jornal, o Paratii, e foi secretária municipal de turismo e cultura em 1997, no governo do Benedito José Melo da Silva.
Empresária de visão e atual primeira-dama de Paraty, casada com o prefeito Carlos José Gama Miranda, o Casé , Ana não tem medo de pôr a “mão na massa” do social e da educação pela via da gastronomia. Este é um dos assuntos abordados nesta entrevista exclusiva ao portal paraty.com.br , concedida em um canto reservado do seu restaurante, o Banana da Terra. E mais: ela revela as boas novas do seu cardápio, compartilha fatos interessantes de sua vida pessoal, confessa alguns sonhos e convida todos para participarem da Folia Gastronômica de Paraty, festival do qual é curadora e que promete agitar a cidade até o dia 16 de novembro, com uma programação intensa e saborosa.
Assista ao vídeo onde Ana Bueno conta histórias saborosas de seu início de carreira:
paraty.com.br – Como surgiu esse seu talento para cozinhar?
Ana Bueno – Na verdade eu saí de casa muito cedo. Com 17 anos vim morar em Trindade. Me apaixonei pelo lugar, mas tinha que sobreviver e a única coisa que eu sabia fazer era cozinhar. Por que eu aprendi vendo em casa, então eu repetia o que vi. Fazia bolos, tortas, sanduíches, vendia tudo na praia. O lugar onde eu morava não tinha luz elétrica e não havia forno no fogão. Para assar os bolos, eu usava um tabuleiro mais alto para a massa, colocava outro em cima, fazia brasinha assoprando e controlando, porque não podia pegar fogo, do contrário o bolo queimava… Eu também comecei batendo os bolos à mão! Um dia um amigo improvisou uma batedeirinha com um molinete de pesca e eu passei a usar aquela engenhoca para bater meus bolos…Pena que não tenho mais aquele molinete, nunca pensei que iria um dia dar valor àquilo na minha vida… E foi assim que comecei a cozinhar. Para sobreviver naqueles dois anos em que morei em Trindade. Depois vim para Paraty, o que deixou meu pai super feliz. Ele dizia que era uma evolução, eu estava saindo de Trindade pelo menos (risos).
paraty.com.br – Você era bicho grilo?
Ana Bueno – Olha, acho que eu era um pouco bicho grilo, sim. Cheguei a Paraty e logo comecei a trabalhar. Fui garçonete em um restaurante, depois veio a Eco TV, uma repetidora da TV Educativa, para onde eu comecei a fazer reportagens. Foi quando eu conheci o Casé. Ele tinha uma plantação de maracujá e eu fui encontrá-lo para uma entrevista. Foi assim que a gente se conheceu. Começamos a namorar, enfim, eu morando sozinha aqui em Paraty e ele vendo o quanto eu gostava de cozinhar. Um dia ele acabou me convidando: “Ana, sai da TV e vem para o Banana da Terra”. É que na época, os pais dele já estavam pondo em prática a ideia de abrir um comércio para cada filho. E o primeiro era o Casé. Esta casa era da família dele, foi a casa onde ele nasceu, e estava em reforma para virar um restaurante. A idéia era a Regina na cozinha (Regina Gama Miranda, mãe do Casé) e o pai (José Conti Miranda ) trabalhando aqui fora, no salão. A família toda trabalhando junto. Quando eu apareci na história, esses planos já estavam acontecendo e eu passei a fazer parte. Permaneci um tempo conciliando o trabalho no restaurante com a TV, por gostar muito do jornalismo. Mais tarde, fui secretária de turismo e cultura, eu adorava esses trabalhos de produção de evento, de montar exposição e tal… Mas chegou uma hora lá naquele início do Banana da Terra em que eu tinha que escolher. Havia muitas frentes de trabalho, sempre apareciam outras coisas que me deixavam dividida, porém havia aquele compromisso da família, inclusive porque a Regina havia deixado de estar à frente da cozinha, que era uma coisa de que eu também gostava muito. Percebi então que esse era mesmo o meu caminho. Comecei a fazer cursos, a conhecer outros cozinheiros e fui me aprimorando. Então foi assim minha entrada nessa história. Quem me levou para a cozinha definitivamente foi o Casé. Estive aqui com a Regina desde o primeiro dia do restaurante. Elaborei com ela o primeiro cardápio, a letrinha, com tudo escrito, era minha…
paraty.com.br – Em que ano foi esse início do Banana da Terra?
Ana Bueno – O Banana tem 22 anos… Abriu no dia do aniversário de São Paulo (25 de janeiro), me lembro bem… O ano? 1992.
paraty.com.br – E o nome, quem deu?
Ana Bueno – Conversando com amigos sobre o restaurante, a gente contou que a idéia era servir comida regional, afinal, era o que sabíamos fazer. E foi o Marcinho (o artista plástico Márcio Franco) que deu a idéia do nome Banana da Terra. Só que, no início, nada era como é hoje… Não sabíamos, por exemplo, o que era mise-en-place (termo francês da linguagem gastronômica para designar a etapa inicial, de organização dos ingredientes, para o preparo de uma receita). A gente cozinhava em casa e não profissionalmente, confesso que apanhamos bastante no começo… Era mesmo outra coisa um restaurante…
paraty.com.br – O Casé ajudava?
Ana Bueno – Ele também trabalhava, mas não na cozinha. Fazia mesas, o forro, no teto, foi feito por ele, o Casé administrava tudo, mas não ficava só aqui. Ele foi sempre assim, ficava mas saía, ia ali conversar com alguém…
paraty.com.br – Vocês já estavam casados?
Ana Bueno – Já morávamos juntos. A Regina ficou um período, depois saiu, e eu fiquei, me firmando com os cozinheiros. Passei a ler muito sobre gastronomia, a fazer cursos… Cheguei a fazer um na Itália, de três meses, outro na França, mais rápido, e um que considero o mais importante. Foi em São Paulo, com um chef francês, o Laurent Suaudeau. Esses cursos internacionais acabam dando um pouco de status, há pessoas que valorizam muito isso, mas onde eu mais aprendi mesmo foi com o Laurent. Esse curso aconteceu numa época em que eu tive que processar muitas informações, muitas mudanças, estavam acontecendo muitas coisas ao mesmo tempo, a reforma aqui do Banana…
paraty.com.br – Nessa época da reforma vocês ainda moravam aqui na casa?
Ana Bueno – Moramos por onze anos aqui, no piso de cima do restaurante, eu, Casé e os meninos, o Hugo e o Elias. Só depois desse tempo é que construímos nossa casa no Caborê e nos mudamos para lá. E também só depois de nos mudarmos eu decidi “bom, agora vamos reformar o Banana”. Demolimos tudo e construímos outra coisa. O piso de cima agora é uma área de preparo super bacana, a gente tem uma cozinha com ar-condicionado, a cozinha de pré-preparo, há uma câmara fria, o local onde os funcionários se arrumam, depósito, tudo lá em cima. E aqui embaixo ficou a cozinha principal. Estamos bem equipados desde a reforma, embora a gente não pare de mexer em uma coisa ou outra, investir em equipamento, isso é sempre… Toda essa transformação saiu da minha cabeça, foi acontecendo, o resultado foi muito legal e tenho muito orgulho do Banana, adoro isso aqui! Tenho o maior respeito pelos meninos que trabalham comigo. Este restaurante significa muito para mim!
A FOLIA E UM CARDÁPIO INSPIRADO NOS QUINTAIS
paraty.com.br – A culinária sustentável, os produtos regionais, as coisas da terra… Como chef, esses elementos entram na sua cozinha?
Ana Bueno – Sim, tanto que há pouquíssimo tempo, pouco mais de um mês, lancei aqui no Banana da Terra um menu exclusivo para as quintas-feiras, é a Quinta do Gosto. Nesse dia (ah, por sinal hoje é quinta-feira!) o restaurante não oferece outras opções, apenas o menu em duas versões, o completo e um menorzinho, de uma proposta que é levar à mesa um pouco do que há no quintal caiçara e no quintal de Cunha, de locais próximos aqui da região. O menu completo comporta quinze etapas, da entrada à finalização. É uma oportunidade, então, de se experimentar preparações diferentes, servidas de forma delicada. Pode parecer excessivo, mas olha, não é! A porção de cada prato é adequada ao conjunto, perfeita para ir se complementando com os demais pratos do menu. No menor, o que muda é apenas a quantidade de etapas. Não vou dizer que é uma refeição leve, mas é uma festa bem dosada de sabores, para ser degustada devagarinho, como sugere o nome Quinta do Gosto.
paraty.com.br – Você pode citar algumas combinações desse menu?
Ana Bueno – Sim, claro, uma das entradas é a salada de ervas da floresta, servida com castanha caramelada, molho de melado, tapioca de urtiga ao forno com manteiga e queijo… Essas ervinhas da floresta são coletadas no máximo um dia antes ou no dia. Tudo é muito fresco, tem um gosto, um aroma diferente! Tudo é comprado e colhido quase que em cima da hora. A gente fez questão também de indicar no menu a procedência dos produtos. Então você fica sabendo que o mel vem do produtor Marcos, de Cunha, onde também há o produtor Alceu, que fornece a manteiga e os queijos; o aipim e os ovos caipiras são da produção da Sônia, na Várzea; a taioba e o coentro nativo chegam do quintal da Ana, no Caborê… A ideia é manter por três meses cada cardápio, o que nos possibilita testar diferentes produtos regionais. Esse era um velho sonho meu, cultivado há dois, três anos, de trabalhar com produtos locais e ao mesmo tempo tão comuns, como ervas de quintal. A ora-pro-nóbis, por exemplo, muita gente ouve falar dessa hortaliça, mas jamais experimentou… Reservei então a quinta-feira para oferecer esse algo diferente, o que também me permite experimentar , inventar e manter atuante uma rede de produtores locais. Estou adorando fazer a Quinta do Gosto! Já estão em testes os pratos da nova temporada.
paraty.com.br – Ana, vem aí a Folia Gastronômica. Como foi criar esse evento e como está essa volta, depois de cinco anos?
Ana Bueno – Essa minha ligação com a culinária, o interesse por essas questões dos produtores e o quanto eu gosto de fazer eventos, isso tudo me despertou a vontade de fazer algo para Paraty ligado à gastronomia. Fiz a primeira edição em 2003 e o evento se repetiu por cinco anos, até 2008. Não foi fácil manter, até porque era outro o momento da gastronomia e eu era ainda pouco experiente. Ainda assim era uma batalha pessoal. Eu mesma ligava para as empresas para viabilizar a vinda dos chefs. Dizia “Sou a Ana, tenho um restaurante em Paraty chamado Banana da Terra e quero fazer um evento…” Sem poder pagar cachê nem passagem para ninguém, quem viesse teria que ser por conta própria. Foi um trabalho grande, só que eu tenho certeza de uma coisa, Claudia, a Folia construiu uma imagem de confiança, é um evento muito respeitado e reconhecido pelos chefs. Muita gente vinha me dizer “puxa, não tem mais a Folia”… Por mais que ele tenha nascido pequeno, simples, a gente cumpria toda a programação com uma enorme seriedade de conduta. Essa marca ficou. Paramos por um tempo porque era preciso também repensar o formato, dar passos a mais, fazer o evento crescer. Houve tentativas de retomar, mas eu decidi que não era a hora adequada e falei “ah, vou parar”…
paraty.com.br – Agora a Folia está retornando…
Ana Bueno – Confesso que eu estava bem na minha (risos), só que o Sebrae trouxe para Paraty um programa de formação de polos de gastronomia. Um grupo de donos de restaurantes passou a frequentar essas reuniões. Formou-se um polo aqui , com uma das metas de fazer um evento de gastronomia. Fui então procurada e com a experiência adquirida, estou no papel de curadora dessa Folia de 2014.
paraty.com.br— Gastronomia, aliás, é o tema da vez na mídia, não é? Famosos que viram chefs, atrizes e atores criando receitas… Esse momento de alta contribuiu para você tomar a decisão de retomar?
Ana Bueno – Olha, as coisas não estão mais fáceis de jeito nenhum. Conseguir recursos para esse evento foi super difícil , muito trabalho para conseguir as parcerias para o projeto. Foi um ano de copa, de eleições… Mas eu estou encarando de uma forma diferente, o que eu quero dizer é que as idéias, as minhas idéias, estão mais concretas. Estou mais segura daquilo que estou fazendo. Fora que há, sim, esse lado de um interesse maior das pessoas pelo assunto.
paraty.com.br – O público já conhece melhor, está com um gosto mais apurado…
Ana Bueno – É verdade. E está exigindo mais. O cliente que se recebia há dez anos num restaurante, qualquer que seja, não exigia tanto. Hoje as pessoas já conhecem um bom vinho, conhecem um talher, há mais acesso às informações. Tudo cresceu, o consumo nessa área é enorme . Foi um desafio encarar essa volta. Mas depois que a gente começa, só dá para avançar. Acho também que esse evento ganhou outros objetivos, um deles é ampliar o acesso ao que outros restaurantes, outros profissionais estão fazendo. Puxa, a gente está trazendo chefs incríveis, super importantes, que farão circular nas oficinas seus conhecimentos aos donos de restaurantes da cidade, aos cozinheiros, a quem se interessar.
paraty.com.br – Como funciona esse acesso?
Ana Bueno – É o seguinte: todos os 33 restaurantes que aderiram ao evento têm seis ingressos, que estão à venda, dando direito a uma aula com um chef.
paraty.com.br – E quantos chefs estarão presentes?
Ana Bueno – São 27 chefs, além de especialistas em cachaça, café, cerveja, haverá também um sommelier. A programação é bastante grande, inclusive com atividades gratuitas.
paraty.com.br— Alex Atala, Roberta Sudbrack, Mônica Rangel, Juarez Campos, para citar alguns dos convidados. Como você consegue reunir esse time de grandes chefs da gastronomia contemporânea brasileira? Eles vêm patrocinados?
Ana Bueno – Não, eles vêm pela relação que têm comigo. Eu telefono, convido e eles sabem que não há cachê. A Folia Gastronômica é um evento sem fins lucrativos. A gente está cobrando ingresso não para ter lucro e sim como suporte para o evento acontecer. Dessa vez a Folia deu um salto, trata-se de um evento caro pela estrutura que ganhou. Um dos grandes avanços dessa sexta edição do evento foi a gente ter conseguido realizar um programa educativo que já atingiu 234 crianças da rede pública, educadores e merendeiras.
paraty.com.br – Esse programa educativo foi uma ação sua como primeira-dama?
Ana Bueno – Sabe, eu não mudei minha vida porque sou mulher do prefeito. Cheguei a me cobrar sobre o que eu deveria fazer como primeira-dama. No entanto, eu considero que só teria sentido fazer alguma coisa se fosse de um jeito natural, fazer algo com o qual eu tenha uma identificação. Não daria para eu forçar, me enfiar ali na promoção social… Você precisa ter uma faísca, alguma coisa que te mova, e o meu trabalho é com gastronomia. O que mais valeu nas folias passadas foi a ação educativa. Houve curso de tortas pelo Senac, fizemos ações com as costureiras… E independentemente da Folia, eu, Ana Bueno, tenho batalhado há muitos anos pra trazer uma escola de gastronomia para Paraty. Vou muito ao Senac bater na porta para fazer isso acontecer. Mas essa é uma batalha à parte que, inclusive, já está em estágio adiantado, pois estamos agora aguardando uma visita técnica deles para avaliar uma possível área destinada à instalação de uma escola de gastronomia na cidade.
paraty.com.br – Excelente notícia! Mas conte-nos agora sobre o programa educativo dessa VI Folia Gastronômica de Paraty.
Ana Bueno – Me inspirei nos cadernos de receita. É que há quatro anos eu venho fazendo um caderno desses para cada filho meu. Ficam lá escondidinhos, de vez em quando eu pego para escrever…Escrevo tudo à mão… Além das receitas, tem listas de compra, receita de vida, poemas, tem desenhos (emociona-se). Sempre que pego nesses cadernos eu choro… É muito emocionante, algo que eles vão levar para a vida deles… Tive o desejo de usar isso nas escolas. Propus a idéia à Eliane Thomé (secretária de educação de Paraty) a partir do seguinte pensamento: como a nossa sociedade valoriza esse universo da cozinha? Hoje há toda essa glamurização em torno da gastronomia e tal, mas a maioria das pessoas vai para a cozinha sem conhecimento dos alimentos, do preparo etc. E não se costuma valorizar pessoas importantes desse universo da cozinha. Há uma frase que eu repito muito: “Você vai precisar pelo menos uma vez na vida de um advogado e de um doutor. Mas você precisa no mínimo três vezes por dia de um agricultor”. Essas pessoas são praticamente invisíveis na nossa vida. A gente valoriza um doutor e não aquele senhor super humilde que está ali plantando… A gente tem que mudar isso…
paraty.com.br – Um valor que não é cultivado…
Ana Bueno – Pois é. Crianças da rede pública, muitas aqui, por exemplo, têm pais que são pescadores, agricultores. E às vezes têm vergonha disso, não acham bacana, não dão a devida importância, sendo que essas pessoas são tão importantes na vida de todo mundo! E a gente tem que valorizar, senão cada vez vamos ter menos produtores.
paraty.com.br –Fora os hábitos de alimentação, não é?
Ana Bueno – Sim, esse caderninho de receitas vai valorizar também a importância de uma alimentação saudável, vai ser muito legal para as crianças, que terão algo para levar para o resto da vida, com receita da família delas inclusive, isso permite criar um vínculo familiar, afetivo, tem essa história de trabalhar os produtos, de conhecer as coisas de Paraty… Bom, a secretaria de educação aceitou, a gente atingiu 234 crianças, as merendeiras não conseguimos todas, mas elas vão ter participação, e 26 educadores. O programa começou em julho. Primeiro demos oficinas para os professores. De cerâmica, de texto, bate-papo com chefes, ilustração e gravuras, com foco na culinária. Depois trouxemos turmas para alguns restaurantes, comigo aqui no Banana da Terra, o Alexandre Righeti (do Restaurante Bartholomeu), a Juliana Frateschi (da Gongorê Gastronomia), a Yara (Yara Castro Roberts, da Academia de Cozinha & Outros prazeres ), cozinhamos com eles, mostramos como é uma cozinha, a gente comeu junto…
paraty.com.br – Qual a faixa etária dessas crianças?
Ana Bueno – É bem variada, de 9 a 16 anos. As crianças também foram fazer visitas à cooperativa de palmito, à casa de farinha, conversar com o Almir Tã (mestre do mar e cozinheiro da Ilha do Araújo)lá no restaurante da Catarina ( Quiosque São Francisco) , conversar no Mercado do Produtor Rural. Fiz também umas “panelas de livro”, feitas de palha lá no campinho, comprei livros, no começo as primeiras doações foram minhas, agora estão chegando mais doações e tem que chegar mesmo, porque a gente vai enchendo essas panelas de livros de culinária para doar às escolas que participam do programa . Comprei também uns filminhos, como o Ratatouille. Disponibilizamos mais filmes para os professores na secretaria de educação, filmes que têm a ver com o tema da culinária, para eles ficarem bem embebidos dessa história. Os alunos produziram os caderninhos na escola, eu levei cadernos bonitinhos, com capinha de madeira, e eles passaram a escrever, cada um, seu próprio caderno de receitas.
paraty.com.br – Cada um ganhou um caderno?
Ana Bueno – Cada um ganhou o seu. As professoras estão orientando e os alunos estão fazendo. Quando chegar perto da Folia a gente vai pegar emprestado esses cadernos para colocar em exposição na nossa tenda, para que as pessoas vejam o trabalho. Depois os caderninhos vão ser devolvidos a eles.
paraty.com.br – Há uma proposta de continuidade desse programa nas escolas?
Ana Bueno – Então, haverá continuidade no ano que vem, sim. Não será um caderno de receitas, a gente pensa em alguma coisa com as merendeiras, com as cozinhas… Ainda é prematuro falar sobre isso, mas quando acabar a Folia vou me sentar com calma e organizar esse projeto. É um outro sonho que surgiu para ser posto em prática, reunindo o grupo do pólo gastronômico nessa proposta educativa para a rede pública. Estou buscando um parceiro para tocar essa parte comercial da Folia no ano que vem, quando pretendo voltar meu foco nessas ações em Paraty.
Assista ao vídeo onde Ana Bueno apresenta o projeto educacional da Folia Gastronômica:
paraty.com.br – Então, o desafio de ser mulher do prefeito Casé neste momento da sua vida está fazendo você alterar sua rota?
Ana Bueno – Não está alterando, não. Estou no meu caminho. E que bom, esse caminho vai ajudar. Quero fazer porque é o natural pra mim. Meu foco está na educação. Tenho muitas idéias, sou criativa, mas é preciso ter foco e não sair fazendo muita coisa. Do contrário a gente não faz nada, não é?
paraty.com.br – E no seu dia a dia em casa, Ana, você vai para o fogão?
Ana Bueno – Sempre cozinhei em casa! Na verdade, somente há uns três meses conto com uma pessoa para isso, mas até então era uma exclusividade minha. Durante a semana eu deixava alguma coisa adiantada, na hora fazia o tempero… Especialmente o almoço, eu sempre fiz. Arroz, feijão, verdura, uma salada, uma proteína… A gente não tem um prato preferido não… Só não cozinhava em feriados, finais de semana, férias de janeiro, naquele período de 1º a 15 de janeiro, por causa do restaurante. E mesmo se aqui (o restaurante) está fechado não quer dizer que a gente não trabalhe, eu venho para cá cedo, há milhões de coisas a fazer, sem contar que eu também tenho um turno de pessoas que trabalham no período da manhã.
paraty.com.br – Pelo jeito, o restaurante é sua segunda casa, você está sempre envolvida com o que acontece por aqui, não?
Ana Bueno – Ah, sem dúvida! Embora minha vida tenha mudou depois do nascimento do Abel (o caçula, com pouco mais de dois anos). Estou apaixonada por ele, que está numa idade linda. Durante o dia ele fica aos cuidados de outra pessoa, mas à noite… Não posso deixar meu filho 24 horas, ele é tão pequeno ainda, por essa razão nem sempre estou à noite no restaurante. Mas não tenho nenhuma razão para ficar insegura, tudo aqui funciona, tenho confiança na equipe e a perfeita tranquilidade em saber que, mesmo na minha ausência, tudo será feito da melhor maneira. Porque sempre fiz tudo junto com o pessoal. Meu filho mais velho trabalha comigo, no caixa, e está sempre muito presente também.
paraty.com.br — Seus filhos mais velhos, o Elias e o Hugo, agora o Abel, como é criá-los em Paraty? Você e o Casé tiveram alguma dificuldade?
Ana Bueno – Ah, essa parte da infância, essa liberdade é muito legal. Os mais velhos foram criados aqui no centro histórico. Brincadeiras de moleque, correr para todo lado, todo mundo conhece todo mundo… Acho que eles aproveitaram bem. Mas chega uma hora que a gente se preocupa, isso em todo lugar, não só em Paraty. A falta de opção, as baladas, companhias, a questão das drogas, até com relação a gosto musical que remete a tribos, enfim… Há muita influência, são muitas informações… Em qualquer lugar do mundo acredito que não seja fácil criar filhos hoje. Há um trabalho diário de estar muito presente, conversar e rezar para dar tudo certo, porque muita coisa não depende só da gente.
paraty.com.br – Qual sua receita de cidadania para a população de Paraty?
Ana Bueno – Vejo a necessidade de um exercício que eu também tenho que fazer, acho que todo mundo tem que fazer. A gente não costuma pensar no coletivo, em geral estamos voltados para os nossos interesses. Mas pensar mais no coletivo é fundamental.
paraty.com.br – Qual é o sabor da vida para você?
Ana Bueno – Ah, um conjunto de coisas, família, trabalho, amigos, permitir-se fazer o que se gosta… Na verdade, é muito bom viver! ( abrindo um sorriso largo).
paraty.com.br – Agora as perguntas finais, aquelas que costumamos repetir aos nossos entrevistados. Em quê você acha que Paraty tem que mudar?
Ana Bueno – Não sei se Paraty tem que mudar… Ela é do jeito que é, por isso a gente está aqui. Tem problemas, vários problemas, mas não sei se precisa mudar, há coisas de que eu não gosto, porém elas fazem parte de um total. Há coisas que me desagradam, de repente certos hábitos, até tradições, mas a gente convive com isso e não pode querer mudar só porque você acha que não tem que ser desse jeito… É claro que eu quero que dê muito certo o governo do Casé. Estou vendo ele tentar melhorar a questão da saúde, é preciso também olhar com bastante cuidado a educação. Acho que é um trabalho contínuo, não dá para colocar tudo na mão do poder público, há que ter ações de mudança pelos que estão vindo aí, pelas novas gerações.
paraty.com.br— Para finalizar, o que a Ana Bueno recomenda para um turista?
Ana Bueno – Ah, tenho medo de parecer um pouco careta, mas acho que é preciso conhecer o centro histórico, as praias, as ilhas… E eu, sempre que vou planejar alguma viagem, planejo a coisa da comida junto, pesquiso o que tem para comer nesse lugar. Considero um programa importante, comer a comida do lugar. Não é muito fácil. Mas as viagens mais bacanas, quando você chega num outro país ou numa cidade diferente, é quando há uma pessoa do lugar que te recebe. Isso dá um outro ponto a qualquer viagem, porque vão te levar a lugares que você nunca chegaria sozinho ou dificilmente chegaria. E conhecer a comida, por que a gente conhece muito sobre um lugar, sobre a cultura de um poço, experimentando a comida local. Eu, por exemplo, quando viajo, sempre vou ao mercado do lugar, não vou embora sem conhecer o que vai à mesa, para mim essas coisas fazem bastante diferença.
Assista ao vídeo onde Ana Bueno dá suas dicas para os turistas que visitam Paraty:
Nossa entrevista com Ana Bueno, que aconteceu justamente numa noite de quinta-feira, a Quinta do Gosto no Banana da Terra, teve um final saboroso. Ela convidou a equipe para uma visita à cozinha principal do restaurante. Todos de touca, pudemos acompanhar a chef na finalização de um dos pratos do cardápio, um delicioso mini-ravioli com recheio de frango e ora pro nóbis, colhida fresquinha do quintal, servido com caldo de galinha e flores, em infusão delicada. A equipe, claro, aprovou. E recomenda!
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