A Festa do Divino em Paraty é uma das tradições mais fortes da cultura paratiense. A cidade toda se envolve e, quem visita a cidade, tem a oportunidade de participar desta autêntica manifestação popular. Conheça os principais pontos da Festa do Divino em Paraty
Patrimônio imaterial inscrito no Livro de Registro das Celebrações do IPHAN em 03/04/2014
O Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, reunido na sede do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em Brasília, aprovou no dia 3 de abril de 2013, o Registro da Festa do Divino Espírito Santo de Paraty, no Rio de Janeiro, como Patrimônio Cultural Brasileiro. De acordo com o parecer do DPI sobre a festividade , trata-se de uma celebração representativa da diversidade e da singularidade, com elementos próprios, fundamental para a construção e afirmação da identidade cultural do paratiense. A Festa possui, ainda, relevância nacional, na medida em que traz elementos essenciais para a memória, a identidade e a formação da sociedade brasileira, além de ser uma referência cultural dinâmica e de longa continuidade histórica.
Origem
Costuma-se associar a devoção ao Divino Espírito Santo em Paraty às festas realizadas nas Ilhas dos Açores, uma explicação corrente não somente entre pesquisadores como também entre os moradores de Paraty, constituindo de certo modo um mito de origem para a realização e a permanência da Festa do Divino na cidade há mais de três séculos. Alguns historiadores atribuem a origem do culto à devoção da Rainha Isabel (1271-1336), e à construção da Igreja do Divino Espírito Santo em Alenquer, Portugal, onde teriam se realizado os primeiros festejos, estabelecendo a tradição que seria levada aos Açores e depois ao Brasil.
A cidade e a festa
No Centro Histórico e em seus arredores estão localizados os principais espaços da Festa: a Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Remédios, a Praça da Matriz e as casas de famílias paratienses, que se abriram tantas vezes para se transformar na Casa do Festeiro. Os fiéis, os religiosos, as autoridades, os moradores da zona rural, da zona urbana, todos se juntam nesses dias da Festa, que mesclam devoção e entretenimento, religião e cultura. Um responsável, o festeiro, e um corpo de auxiliares, a “Comissão da Festa”, encarregam-se a cada ano da organização da Festa, cuidando de envolver a comunidade no esforço coletivo de sua realização, e representando quase sempre a sua participação como uma forma de devoção, um momento privilegiado de pagar promessas e agradecer pelas graças recebidas. A Festa é um símbolo da relação que se estabelece com o Divino, mas também a ocasião de confraternização de variados grupos sociais, dando espaço para que todos participem, seja nos atos litúrgicos associados às figuras do festeiro e do imperador, seja nos divertimentos, garantindo assim a identidade, individual e coletiva, através de uma memória comum, herdada e transmitida.
A preparação da Festa
A preparação ocorre durante todo o ano que antecede a Festa. A primeira preocupação do festeiro será angariar donativos, seja em alimentos, ou produtos que possam ser vendidos em rifas ou bingos, seja em dinheiro, ou mesmo em serviços, através do trabalho voluntário dos fiéis. A comissão da Festa segue vendendo doces durante finais de semana e em eventos culturais da cidade. A preparação se acelera a partir do domingo de Páscoa, cinquenta dias antes da Festa: todos da comissão da Festa são convidados a se inscrever em um dos vinte grupos de tarefas, que vão da decoração da igreja e das ruas da cidade à definição de quais meninos exercerão a função de Imperador do Divino e sua corte, passando por muito mais, como recolher os oitocentos frangos para o preparo do almoço da Festa…
Levantamento do Mastro
No domingo de Páscoa, da casa do festeiro, de onde partem todas as ações da Festa, sai a procissão com as bandeiras, acompanhada pela Folia do Divino e pela Banda Santa Cecília, levando o quadro do mastro, a esfera que representa o mundo e a pomba que encimarão o mastro. Ao lado da Matriz, o mastro é montado e erguido, e a procissão retorna à casa do festeiro.
Abertura da Festa: as procissões
No primeiro dia, a cidade é acordada de manhã pela Alvorada Festiva, com a Banda Santa Cecília percorrendo as ruas do Centro Histórico. À noite, precedida pelos foguetes, parte a procissão da casa do festeiro à igreja: a comissão da Festa segue à frente, tendo um lugar diferenciado na procissão e no altar da igreja, como reconhecimento pelos meses de trabalho. A procissão, em que vão se alternando os versos cantados da Folia e os dobrados da banda, para em frente à casa de um devoto para apanhar a bandeira da promessa, e segue para a primeira ladainha na igreja. Após a missa, a procissão volta com as bandeiras, foguetes, banda e Folia para a casa do festeiro, deixando no caminho a bandeira da promessa na casa de outro devoto. Esse ritual se repetirá nos oito dias seguintes da novena.
Programação profana: a praça
Durante os dez dias de Festa, após as celebrações da novena, acontecem eventos populares na Praça da Matriz que, em relação à programação religiosa, é conhecida como programação profana ou popular. Competições esportivas, gincanas, concursos, apresentação de shows musicais, danças, cirandas e outras atrações participativas, que envolvem os moradores de Paraty.
O sábado da Festa
O sábado começa às sete horas da manhã na casa do festeiro, com a distribuição de carne aos pobres. Às nove horas, saem as bandeiras da casa do festeiro, acompanhadas pela banda de música, pela Folia e pelo povo, que percorrem as ruas da cidade e os bairros mais próximos, rua por rua, casa por casa, pedindo esmolas. É o Bando Precatório, que termina na hora do almoço.
O almoço do Divino
O almoço é uma macarronada, carne assada com batatas, frango assado ou cozido, arroz e a tradicional farofa de feijão, preparados durante uma semana pelas cozinheiras do Divino. Após a benção do alimento, são servidos cerca de dez mil pratos. Todos comem de graça: um momento de confraternização e solidariedade em que se expressa o dar, receber e retribuir que são o cerne simbólico da Festa. Brincadeiras tradicionais ocorrem para as crianças na praça, com a presença dos bonecos folclóricos: Boi-de-pano, Miota, Peneirinha, Cavalinho.
A Celebração de coroação do imperador
Na noite do sábado, a procissão sai da casa do festeiro tendo à frente o menino que será coroado, os vassalos e os guardas, para a última ladainha da novena. Na Igreja Matriz, a corte imperial tem lugar especial no altar, com o trono do imperador já montado. Após o rito da Comunhão, o menino é chamado pelo Padre, e à frente da mesa do altar, de joelhos e de costas para o povo, os festeiros colocam sobre ele a capa, a sobrecapa, entregam-lhe o cetro, e ele é coroado. Após a missa, o imperador segue com sua corte para o Império, de onde assiste às danças folclóricas em sua homenagem: a Dança dos Velhos, das Fitas e o Marrapaiá de Cunha (congada).
O domingo: a Celebração de Pentecostes
O grande dia é anunciado pela alvorada de sinos e foguetes às seis horas da manhã, acordando a cidade inteira para a Festa. Às nove horas sai da casa do festeiro a procissão em direção à Igreja Matriz, com o imperador e seus vassalos à frente. Após a missa, ocorre a soltura simbólica de um preso. O imperador segue então com a procissão para a casa do festeiro, onde faz a distribuição dos doces para uma enorme fila, sobretudo de crianças, a sua espera.
Celebração de ação de graças: o encerramento
Por volta das cinco horas da tarde, mais uma vez a procissão com o andor do Resplendor do Divino Espírito Santo, bandeiras, Folia e banda, segue da casa do festeiro para a Igreja Matriz, para a Celebração de encerramento, em ação de graças. Durante essa missa, o Padre convida todos a saírem em procissão da igreja, nessa ordem: a cruz e os tocheiros, os estandartes dos santos festejados na cidade, o imperador, os vassalos e os guardas, o andor, o pároco, os festeiros e as bandeiras, a Folia, a banda e o povo. A grande procissão percorre algumas ruas do Centro Histórico, parando em frente às outras Igrejas, e retorna à Matriz. O Padre convida os festeiros ao altar para dar o testemunho sobre sua experiência na festa, apresenta o novo casal de festeiros, e chama a subir ao altar a nova comissão da Festa. O fitão e a bandeira são então entregues ao casal de festeiros novos, terminando a missa de encerramento de forma muito eficaz tanto para o fortalecimento e a perpetuação da fé quanto para o ciclo a Festa do Divino. O cortejo sai da igreja para a casa dos novos festeiros, onde lhes são passadas as insígnias da Festa, em cerimônia conduzida pela Folia do Divino.
(texto compilado a partir do Dossiê de registro da Festa do Divino Espírito Santo em Paraty, IPHAN, 2009-10)