Artefatos dos índios Guarani

Artefatos dos índios guarani - Paraty - RJ

Cada objeto artefato neste catálogo tem um uso no cotidiano dos Guaranis Nhande-iva Tambeopé. E sobretudo, uma função que transcende essa finalidade prática, para expressar a visão de mundo, de vida e de morte, do eu, a gente do arco, e do outro, de maneira concreta.

O propósito deste catálogo é demonstrar o contexto de cada um destes objetos, que atualmente estão também à venda. Pois assim participam no jogo de mercado, são muito mais antigos, muito mais, do que a decisão dos Guarani de adotar o comércio, técnica de sobrevivência.

Cada adulto é um artesão e os mais novos ainda aprendem. Brincam com os materiais, às vezes inovam, imitam, tentam recriar os símbolos, para que floresça a aldeia. As crianças também aprendem o que seus avôs entenderam há mais de umas décadas: que o contato com o “mundo branco” é inevitável. melhor é propiciá-lo de uma boa maneira.

Trançado e talha em madeira são trabalhos e expressões do guarani que hoje também são comercializados.

O “pindó” (palmeira) é de grande importância para os Guarani: da madeira se talham os arcos, com as palmas se cobrem as casas, de suas fibras se fazem as cordas dos arcos, o palmito se consome.

Cesto de carregar da mulher Guarani (Ajaká Nhané Aká – Re-guá)

índios Guarani em ParatyMATERIAIS: Tiras de cana de taquara “takuapi”, de 4 a 5 cm de largura, e tiras de cascas do phylodendron “guembepi” de cor preta, compõem a trama. Para que o cesto fique mais sólido, são colocadas por fora quatro tiras grossas de madeira, cruzadas na base e prolongadas até a borda superior onde se dobram para o interior do cesto uns 10 cm.

A estrutura circular da borda superior se faz com um aro de “nhandy-pa”. A banda superior com a que se carrega o cesto na cabeça, é trançada com tiras do phylodendron “guembepi”.

“Uns Guarani que moram pelo Rio Maranhão pediram que a gente fosse visitá – los. Mas isso é muito longe! e Guarani, se viajar, leva até o cachorro!” Agustinho, cacique e pajé de Araponga, continua falando enquanto fabrica centenas de tiras de taquara para os cestos em companhia de sua esposa Marciana, sentados baixo a ramada, lugar onde sempre recebem as visitas.

Nas migrações de inspiração religiosa do último século, desde o Paraguai e Nordeste Argentino para o Litoral Brasileiro, os Guarani utilizam caixas e malas para levar seus pertences, se bem que o cesto de carregar continua sendo utilizado pela mulher Guarani. Carrega nele milho, os alimentos e nos deslocamentos dentro dos cultivos. As crianças de colo também são transportadas dentro do cesto durante as caminhadas.

Este cesto se fabrica dependendo da altura da mulher. Tanto homens como mulheres sabem trançá-lo na aldeia, é a maior expressão material de identidade e do sentido estético destes Guarani. 

Abano 

índios Guarani em ParatyMATERIAIS: Cana de taquara “takuapi” que se divide em tiras no borde superior, para formar a trama do trançado com as tiras de “takuarussu” , que absorvem facilmente os corantes.

 O abano é utilizado pelos Guarani para se refrescar em épocas de calor e mosquitos, assim como para atiçar o fogo. Em Araponga é comum que ventilem as crianças de colo para que durmam com sossego.

O vento sempre é bom para os Guarani. Ele traz o frescor necessário para que os órgãos do corpo, os membros da sociedade, os componentes da terra e os elementos do universo se mantenham ordenados. Nos dias de extremo calor, o trabalho ao sol é suportável sempre que tenha o vento, já que o aquecimento excessivo do corpo debilita. “O frescor permanece no local mais propício a esquentar: o ventre, o coração.(…) graças ao frescor, o que junta (organiza, unifica), se mantém.

Em outros termos, a moderação, a paciência e a calma nos desejos – graças ao frescor permanecem e – impedem a desordem social, ao evitar que seja ameaçada a solidariedade tribal “mboraju” .” (clastres 1974)”

 Caximbo – Petyguá

índios Guarani em Paraty MATERIAIS:
1) Madeira de nó de pinho talhada. Tubo de taquara para aspirar a fumaça. Cachimbo de uso comum.

2) Cerâmica com decoração incisa e tubo de taquara. Cachimbo utilizado nas rezas.

Mulheres e homens utilizam o ” petyguá”. Na aldeia de Araponga, se reúnem a qualquer hora do dia debaixo da ramada ou dentro da cozinha para fumar tabaco do mesmo cachimbo, entre várias pessoas. Trata-se de uma atividade comunitária igual ao do costume de beber erva mate do chimarrão.

O tipo de tabaco que fumam atualmente não é tão importante, comprado muitas vezes nas lojas de abastecimento, como o fato que seja fumado no cachimbo “petyguá” objeto de uso cotidiano, e também ritual. O fumo é o estado realmente importante do tabaco.

Durante as rezas, o “petyguá” feito de cerâmica é essencial para curar doenças ao soprar o fumo sobre o paciente. Antes de tocar, cantar e dançar, dentro da casa de reza, os instrumentos recebem também um banho de fumo do pajé. De igual maneira, ele dirige fumo sobre os cultivos para propiciar uma futura boa coleta.

Os meninos da aldeia observam com curiosidade e imitam os gestos dos adultos que fumam do “petyguá” e cospem sempre depois sobre o chão. Desde curta idade são ensinados a fumar, controlados pelos maiores, já que se trata de um costume com um papel importante dentro da cultura, como medicina tradicional, como elemento ritual religioso e como elemento socializante ao ser compartilhado.

“A bruma é companheira da chama, assim como fumo do cachimbo é companheiro do tabaco consumido. A bruma “jakaira” junta dentro de si a substância divina do humano, as belas palavras. A bruma dos pajés e dos profetas (o fumo dos seus cachimbos), lhes permite o acesso à bruma original, lhes permite escutar os deuses falar.” (clastres, 1974) 

Arco e Flecha

índios Guarani em ParatyMATERIAIS:
ARCO: Madeira da palmeira “mbokajá”, revestida com trançado de tiras de casca do phylodentron “guembepi” e tiras de taquara “takuapi”, presas com cera. A corda é feita com fibra de imbira.
FLECHA: madeira da palmeira “mbokajá” ou, para brinquedos, cana de taquara “takuapi”. Penas de papagaio presas com tiras do phylodentron “guembepi”.

Tradicionalmente a caça, fonte de sustento dos Guarani, se fazia com arcos de dois metros de altura ou mais, sempre ultrapassando a altura do caçador (susnik,1996).

Segundo Agustinho, quando jovem participou de temporadas de caça em que saiam grupos de dez a quinze pessoas, homens e mulheres, que se embrenhavam durante vários dias na floresta. Procuravam animais como porco do mato, tatú, paca, anta e jacaré, que se caçavam com flechas de ponta lisa, lancetada; estas saiam facilmente da carne do animal, deixando a ferida aberta enquanto ele corria e sangrava até a morte. Macacos e gatos selvagens, segundo os escritos de branislawa susnik, eram caçados com flechas dentadas de difícil extração, e as aves, caçadas com flechas cuja ponta rombuda, formada por um virote de madeira terminando em ponta, não ficava travada na copa das árvores, caindo facilmente com a presa ao chão.

Agustinho lembra como os homens caçavam e levavam as presas até o acampamento onde as mulheres limpavam a carne e separavam a pele e os órgãos.

Ainda hoje a caçada faz parte do cotidiano dos Guaranis Nhande-iva Tambeopé. Os homens embrenham-se na floresta, assobiam e imitam os sons dos animais; porém, arco e flecha foram trocados pela espingarda que preferem hoje em dia. Antes requeria para cada modelo de flecha, o conhecimento específico do animal. Para sua fácil, rápida e melhor obtenção.

Segundo León Cadogan, amigo e escritor sobre o universo Guarani, na época em que arco e flecha eram ainda as armas de caça, os meninos aprendiam a usá-los desde os três anos de idade. Seus parentes fabricavam arcos menores feitos do mesmo material e flechas decoradas com o emplumado característico, mas com ausência de ponta afilada. Estas armas infantis, são as que mudaram de função a partir do meio do século, fabricadas hoje para o comércio no litoral brasileiro.

Cesto Recipiente

índios Guarani em Paraty MATERIAIS: A trama é trançada com fibras de taquara “takuapi” , e outra variedade, “takuarussu” que absorve melhor os corantes.

Em Araponga e outras aldeias do litoral brasileiro estes cestos recipientes são fabricados para armazenar produtos e, em maior quantidade, para o comércio.

Dentro, guardam grãos de milho, feijão, bananas, amendoim, conchas do mar, pedras e alguns produtos adquiridos nos centros urbanos. O milho inteiro, antes de debulhar, é pendurado em paus de taquara dentro das casas.

Tradicionalmente os Guarani utilizaram para guardar os alimentos, vasilhas de barro com decoração bicromada, enquanto vasilhas com decoração policromada cumpriam uma função ornamental. As vasilhas maiores, que se comparam atualmente a os cestos de igual tamanho, tinham a altura sempre maior do que o diâmetro e vinham sempre acompanhadas de uma tampa do mesmo material. (susnik,1996). Os corpos dos parentes mortos eram igualmente colocados dentro de urnas de barro.

 Mbaraká Miri Jya Kuá Chocalho globular para uso ritual

MATERIAIS: Madeira de pau – marfim, “guatambú”, para o cabo do instrumento. Para o corpo sonoro, utilizam uma cabaça com desenhos gravados, se bem que no litoral brasileiro também utilizam o coco. Dentro da cabaça, pequenas sementes de “kapía” produzem o som.

O chocalho menor, que fabricam para brinquedo das crianças ou para a venda, tem o cabo e o corpo globular feitos com taquara “takuapi” e tiras de”takuarussu” coloridas.

O “mbaraká miri jya kua” é instrumento tradicional dos Guarani, que cumpre múltiplas funções.

Utilizado separadamente, sem acompanhamento de outro instrumento, serve para a cura de doenças e limpeza espiritual da aldeia. O pajé sacode o chocalho a diferentes ritmos e diversas posições enquanto pronuncia as rezas também, “quando está muito seco, o milho e outras plantas podem morrer; a essa hora vamos todos para a casa de reza, “opy”. Onde agitamos o mbaraká miri e rezamos para chamar a chuva”; palavras de Agustinho.

índios Guarani em ParatyQuando utilizado junto com os outros instrumentos, o “mbaraká miri” participa da música, canto e dança nas orações dos Guarani Nhande – iva Tambeopé. Os outros dois instrumentos tradicionais deste subgrupo são o “takwapú” feito de “takwarussu”, bastão oco de ritmo que utilizam as mulheres para marcar a dança percutindo o verticalmente contra o solo, e o “mbá-e-pú” vara maciça de madeira percutida verticalmente contra o solo, com duas varas curtas amarradas na parte superior para aumentar a sonoridade, instrumento utilizado pelo pajé.

Um outro instrumento tradicional dos Guarani, é o tambor “angú’á pu” composto por um cilindro de madeira de “pindó” fechado em ambos os lados por duas diferentes membranas de couro. Este instrumento era utilizado para comunicar a chegada de visitas à aldeia e foi adicionado posteriormente às composições musicais junto com os demais instrumentos.

Colar de sementes

índios Guarani em ParatyMATERIAIS:
1) Sementes brancas de lágrimas de nossa senhora. Utilizado por mulheres e homens como distinção étnica.

2) Sementes brancas alternadas com sementes pretas de tucum (palmeira espinhosa). Utilizados pelos pajés.

Em geral, os colares são utilizados para a prevenção de doenças e como proteção.

Machadinho de pedra

índios Guarani em ParatyMATERIAIS: Madeira de taquara “takuapi” para o cabo, revestida com tiras do phylodendron “guembepi” ou com o trançado decorativo em tiras de “takuapi” e “guembepe” A lâmina é ajustada ao cabo mediante uma ligadura de fibra de palmeira “pindó”. As penas de papagaio são firmadas com tiras de “guembepi”.

Na memória dos Guaranis mais veteranos da aldeia, aparece desde o início o “machado português de metal ” como os chamam, para cortar e trabalhar a madeira. O cacique Agustinho explica a fabricação destes pequenos machados para a venda, como transmissão cultural de outros índios no Brasil, entre os quais menciona os Xavantes e Carajá. Segundo Agustinho, o Guarani é o índio mais manso que existiu, já que prefere o contato sem violência e o diálogo, do que as brigas contra os brancos, contra outros índios ou, mesmo outros subgrupos Guaranis. Na visão de Agustinho, os machados foram criação de outros índios que os teriam utilizado na luta contra a invasão e expansão do branco.

Além de sua possível utilização como arma de luta, o machado também é uma ferramenta dos guaranis para derrubar árvores e trabalhar a madeira. Tal como o demonstram o “petyguá” de nó de pinho, o banco cerimonial “apyká” e as representações zoomórficas.

Segundo Roque A. González Menoret da Associação Nhandeva em Paraty, descendente de Guaranis, o machado tradicional deles consiste numa lâmina, ao ponto que ficam firmemente ensamblados. Fabrica-se desse modo um sólido machado.

Outros artefatos que conformam o universo material dos Guarani Nhande-iva Tambeopé, relacionados com a produção para o comércio, são: a coroa de penas”djeguaká”, a sarabatana e as figuras zoomórficas em madeira, que não foram extensamente descritos, devido à falta de informação ou dados contraditórios, durante o tempo que elaborei o catálogo. Porém, merecem incluir-se no futuro, como objetos que também fazem parte da expressão cultural dos Guarani na atualidade.

Autora do Catálogo: Liliana González Rojas
Maiores Informações: Associação Artístico Cultural Nhandeva